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Posts Tagged ‘Carol Barata’

Do lado de cá, da janela em que encostada estou, acendo um cigarro e dou um gole no café. Do outro lado – da rua, da realidade, do mundo – um operário ou O operário, pois eis que o imagino clássico em sua função: macacão azul, capacete amarelo, botas negras e luvas brancas. 2ae6b3628aa4430d808df727625d7dbd587121f3_m

Permaneço entre um cigarro e um gole de café (quente, quente) a olhar o carinha lá do alto de uma parafernália que não sei o nome. Uma cabine alta, cheia de braços e garras mecânicas, que o fazem mais parecer o próprio Doctor Octopus a favor da construção civil.

Ele lá tão alto e tão só. Eu aqui tão cheia de si e igualmente só. Não consigo parar de pensar que tipo de solidão se sente lá do alto que ele está. A minha é rasa, é mais cobra do que pássaro. É rente ao chão, é próxima a terra úmida. Ele sobe no vazio, o operário.

Eu mergulho nele, no vazio e no operário.

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impertubavel5

Estranhamente vazia, complacente com o oco.

Não incomodada com um rascunho de texto ou esboço de sentimento.

Inabalável solidão.

ao som de [ You – Radiohead ]

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Ele a via chegar sempre como quem está atrasada. Ella. Esse nome era assim tão simples e categórico para o que Ella era. Ah, que mulher, ele suspirava. E chegava sem olhar para nada ou olhando tudo como se nada fosse interessante. E nada era depois que ela entrava. Muitos também deviam suspirar como ele “Ah, que mulher Ella…”.

byro_02Ele olhava do outro lado da sala ela adentrar, atento, com o coração quase na boca, pronto para dizer qualquer coisa como “vamos dar um passeio ou um chopp depois do expediente, quem sabe”, mas permanecia inerte. Ella pouco se interessaria no que ele diria porque gaguejaria e lhe suariam as mãos. Talvez a pressão baixasse, a asma surgisse e de supetão, ele puxaria a bombinha do bolso da camisa antes mesmo de dizer “oi”.

Ella usava sempre roupas pretas e entre um cafezinho e outro, na copa da empresa, ele já ouvira os outros dizerem que tinha um ar sinistro, que fumava e era monossilábica. Mas ah, que mulher misteriosa… Fazia surgir ciúme das outras funcionárias, tinha uma postura que era só sua. O jeito que abaixava para pegar um memorando que caia, a forma como apontava o lápis e divagava olhando para tela do computador. Ah, se ele pudesse…

Foi numa segunda-feira que se armou de coragem e decidiu: passaria e ultrapassaria o limite de Ella. Não poderia ser pior do que já era viver de vontade, imaginá-la fazendo coisas simples, como arrumar a casa ou prostrada por uma gripe. Enfim, coisas de gente apaixonada imaginar situações assim.

Enamorado pelo dia seguinte, dormiu agarrado no despertador e com o livro de Neruda longe da cama. O livro era velho e poderia lhe causar espirros por conta de uma alergia que bem conhecia desde a infância. Mulheres gostavam de poesia, de flores, de romantismo. Então, a conquistaria assim: com uma rosa a mão e um verso no ato. A Dança, de Pablo Neruda.

Adormeceu decorando a tal Dança:

– Te amo como a planta que não floresce e leva, leva… hum… dentro de mim. Não, droga. É dentro de si, dentro de si, seu estúpido, estúpido – repetia como autoflagelação.

E então respirava fundo, limpava a testa com um lencinho que estava sempre a tiracolo no bolso e retomava a sabatina de si mesmo:

– Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.

Foi então que ficou aliviado.

No dia seguinte, não conseguiu nem tomar café. Acordou com o estômago em brasa e um riso solto sem motivo. Até esqueceu-se da bombinha, do agasalho para caso o tempo esfriasse, da sua caneta da sorte que poderia ser tão importante naquele momento. O melhor momento de sua vida.

As tarefas mais corriqueiras pareciam ter um brilho diferente, pois ao final do dia ele teria sua recompensa. Todos os memorandos saíram com um ar de carta de amor e a Dança de Neruda bailava em sua cabeça. Ele permaneceu o dia todo rabiscando palavras soltas – flores, dentro de si, alma – nos cantos das folhas de papel.

Mais precisamente ás 17:25 h foi chamado para uma reunião. Um medo monstruoso o invadiu e fez com que sua úlcera mostrasse a seu corpo para que veio ao mundo. A dor era horrenda, mas pior ainda era a possibilidade de Ella sair da empresa antes que o tormento corporativo acabasse.

Não queria saber da crise que o país enfrentava – que vá para o inferno a crise – e que bla bla bla mais chato era ouvir tanto papo furado sobre contenção de despesas, corte na equipe por motivos maiores e que sentiam muito. Ah, martírio era amar tanto aquela mulher. Ah, que mulher… Saiu da sala sem entender nada sobre o que se passava e pouco se apercebeu quando a gerente do RH disse a ele para comparecer em sua sala para “acertar as contas”.

Saiu esbaforido da sala, suando feito um porco, óculos embaçado e a tal Dança sendo repetida bem baixinho:

– “Graças a teu amor vive escuro em meu corpo o apertado aroma que ascender da terra…”

Chegando a sala, nada de Ella. Ela havia ido embora, levado sua graça para outro lugar e ele, ali, perdido, com cólica, falta de ar, suadeira, pressão baixa e o tique nervoso, que tanto o atormentava, mais acentuado do que nunca. Até seus pensamentos gaguejavam. Tomado por uma fúria nunca antes conhecida pelo seu corpo e por sua alma, saiu da sala correndo.

Desceu pelas escadas para ser mais rápido e a cada lance, sentia-se irremediavelmente mais perto de sua amada. Ah, que mulher eu terei, pensava o apaixonado. Ah, que lindo será o destino que nos aguarda, Ella; dizia ele mentalmente.

Chegando ao hall do prédio, nenhum sinal dela. Avançou para a calçada e a avistou ao longe, de seu lado direito. Ella andando leve e displicente. Teve que parar durante cinco segundos para arrumar o rosto e recolocar os óculos no alto do nariz, empurrando com o dedo indicador. O cabelo também merecia um grau: cada uma das mãos era responsável por deslizar, da raiz até as pontas, sobre o penteado meticulosamente feito com gel e repartido para o lado esquerdo.

Andava apressadamente por entre as pessoas que não entendiam nada. Ainda assim, com toda pressa, ele muito educado, pedia licença e perdão a cada esbarrada que dava. Viu-a atravessar a rua e gritou desesperado:

– Eeeeeeeeellaaaaaaaaaaaa…

Num ímpeto de momento, enquanto ela já atingia a outra calçada, ele arvorou-se em direção ao asfalto. Um Corsa ano 2007, de cor preta, placa JT3852, com uma mulher ao volante, atropelou o pobre nerd que só então percebeu que a vagabunda gótica estava com fones de ouvido. Que caralho de puta autista era aquela que conseguia nem olhar pro lado enquanto andava? Merda. E ainda estava desempregado. Puta-que pariu. Essa vida é uma merda mesmo!

Fim.

Moral da história: o amor é uma piada onde quem ama, sempre se fode no final.

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Tem gente que coleciona selos, dos mais raros até os mais chinfrins. Ou obras de arte, johnnybravo3tampinhas de refrigerante, corujas, bruxas, inimigos, livros. Enfim, o hall de coleções são os mais diversos nesse mundo. Ôooo se são…

Bem, eu e a Lora podemos temos como hobby colecionar cantadas. Não, pessoas. Não quero dizer que somos as musas dos pedreiros ou que arrematamos olhares por onde passamos. Nada disso.

A verdade é que existem caras com dom pra coisa, sabe? Ou pelo menos acham que tem. Eles realmente investem no “oi, posso te conhecer?” e inventam mil formas de tornar nossos dias mais alegres ou nossas noites e chances de desencalhar deprimentes.

Vale ressaltar que nós mesmas nunca caímos em nenhuma dessas, até porque minha veia sociopata  é latente demais ( eu temo estranhos)  para sucumbir aos chamados dos estranhos-engraçadinhos, estilo Jhonny Bravo, que se espalham pelas ruas e baladas.

Mas as colecionamos. Sim, desde as mais toscas até as mais criativas. E vale a pena. Criatividade bizarra mode on. Start!

– Oi, tudo bom?

– Tudo…

– Tu conheces o Alex?

– Alex? Não… acho que não.

– Mas agora conhece. Prazer, meu nome é Alex.


– Hoje é teu aniversário?

– Não, não…

– Pô, mas você tá de parabéns, hein?


– Doeu a queda?

– O que?

– A queda… doeu?

– hãn?

– Porque um anjo assim, só pode ter caído do céu.


– Passei por aqui pra ver se tu pisavas no meu pé de novo, só pra eu poder ficar um pouquinho mais perto de você. (em meio à balada super lotada)


– Eu tô bem? Meus amigos disseram que eu tô bem hoje.

– Tá, tá bem sim…

– Obrigada! Você também tá maravilhosa, sabia?


– Nossa, você tem cara de professorinha de Português. Uau! (bem fantasiando com óculos de grau)

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Eu juro que ouvi.

5 neurônios

Avenida José Malcher, 8:30 h. Parada de ônibus. Duas senhoras conversam.

– Ela tem aquela coisa que dá depressão, convulsão, sabe?

– É mesmo? Ah, coitada…

– É. O “célebro” tem os cinco neurônio. Quando um dá defeito todos os outros falha.

Yakissoba

Avenida Visconde de Souza Franco, 13 h, Líder da Doca. Uma família prostrada, literalmente com cara de quem comeu e não gostou diante de uma bandeja vazia de sushi e uma garrafa de caldo de cana. O pai, a mãe e duas filhas.

Pai: – Tu e a tua mãe inventam de comer essas coisas…

Filha 1: – Eeeeeu? Não fui eu que escolhi. Foi ela, diz a menina apontando com a boca (coisas de paraense) para a mãe.

Filha 2: – Foi tu, sim.

Mãe: – Nãaaao. Ah, vocês me mandaram escolher. Eu não sabia qual era pra pegar.

Pai: – Já disse para vocês. Sushi bom mesmo é geralmente Califórnia ou Yakissoba. É um desses dois.

3D

Agência de publicidade, 11 h. Em Belém ( ! ).

Cliente: – Que programa é esse aí que tu usas?

Diretor de arte: – É Corel Draw.

Cliente: – É Corel, né? Eu sabia.

Diretor de arte: – É.

Cliente: – E vem cá, me diz uma coisa. Esse teu Corel aí faz 3 D?

Diretor de arte: – Não, amigo. Não faz.

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Eu desafio qualquer receita barata antidepressão e meu mau humor. Não quero torná-los parte integrante do meu ser.  Desafio o que é imposto, o que é seguro o que é tido como bom, o supostamente Pré- estabelecido (por quem?). Desafio a rima, mesmo rimando em descompasso. Desafio a distância por ela ser tão grande quando quero afago e ínfima quando a suplico.foto3

Desafio você a me desafiar sem conseguir irritar-se. Tenho teimosia à flor da pele e nervos de açúcar ou de qualquer outra coisa que dê para “trocadilhar” com nervos de aço. Desafio a língua portuguesa, o acordo ortográfico – “abrupta” ou “ab-rupta” mudança? Ainda haverei sempre de parir neologismos bem ou mal criados.

Desafio essa vida que eu levo que não é inteiramente minha. Quero desafiar o medo que há em mim de ir além, de achar que certas coisas não me pertencem. Todas elas me pertencem. Todas podem me pertencer. Mas sem esse papo positivista – pós – modernista – motivacional de “querer é poder”. Não é. Isso eu sei. Mas eu quero muito e quero tanto, tanto.

Vou sair daqui, dessa cadeira, da sala fechada, para saber só de olhar pro céu se é dia ou noite. Vou esquecer o relógio e os meus dogmas. Não quero ser escrava. Quero ser ama do desejo, da vontade sublime de viver, de ondas do mar, sal de praia colando na pele.

Quero sentir teu sabor, misturado com tequila e chiclete de canela. Quero ficar com teu cheiro na palma da mão e ficar cheirando de pouquinho em pouquinho, assim, abafando as duas mãos, como se teu cheiro fosse só meu. Como se eu pudesse guardá-lo numa caixinha e levá-lo na bolsa pra onde quer que eu fosse. E assim, desafio a lógica de só querer o que é possível.

Fico derretendo meus neurônios e descobri que tenho vocação para isso: para derretê-los com textos que não saem até que eu esprema a última gota de enxaqueca, analgésicos, jornais, revistas e anuários. E eis que se dá uma avalanche de letras corroídas, palavras ulceradas e até enferrujadas por tanto uso. Que se dane o que já foi feito, pensado, falado e esperado. Quero mais é o estrago do desconhecido, o que está por vir.

Quero perder menos tempos em telas e ganhas mais em páginas. Quero lembrar que os Correios existem e esquecer do Gmail. Quero mais mentiras sinceras e menos raspas e restos. Não quero mais me contentar com restos.

Vou falar atrevidamente, mostrar interesse só para o que me interessa e pendurar na porta de casa uma placa com os seguintes dizeres: “EU NÃO ME IMPORTO”.  Seja lá o que quer que você tenha para me dizer, pense antes. Porque eu simplesmente, não me importo mais.

Vou usar menos salto alto e mais saia – sejam curtas, rodadas, pregueadas ou retas. O papo mesmo é pernas de fora, pra ver se inspiramos a vida a ficar de pernas pro ar. Minhas unhas serão carmim, meus óculos vermelhos e assim eu sairei do sótão em mim onde guardo meus pesares, meus maus presságios. Inovarei meu novo mundo à cor de sangue.

“Tudo novo de novo”.

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A frase do título é de Pablo Picasso e o quadrinho é do Blog dos Malvados.  A falta de inspiração fica por conta da insônia e da pilha de jobs que se acumulam na minha cabeça.

Inspiração 0 x 10 Enxaqueca  para Carol Barata!

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Últimos dias de 2008 – Século XXI
– Égua, é muito bom comprar livros, né?
– É…
– Melhor ainda é ganhar. Nossa, ganhar é surreal. Imagina você que a pessoa que quer te presentear passou tempos olhando e folheando diversos livros até encontrar o que se encaixa a sua personalidade.
– Isso!
– Ai, amiga… Deixa eu te dar um abraço?
– hahahahahaha. Por quê?
– Porque eu sinto exatamente isso.

Um dia qualquer do ano de 1992 – Século XX
Escola de Primeiro Grau São Jerônimo. Aprendi a escrever com essa letra redondinha lá. Toda sexta-feira era o “dia da leitura”. Na praça central do colégio eram colocadas mesas enormes de madeira com livros que ficavam lá,  a revelia do nosso imaginário. Não era permitido levá-los para o parquinho, rasgar, rabiscar, derramar lanche em cima ou danificar de qualquer outra forma. Assim era repetido de cinco em cinco minutos na rádio interna do colégio.
Eu costumava investir os míseros 30 minutos que compunham meu recreio na avaliação e eleição de qual livro tinha um harmonioso conjunto que combinasse título interessante, enredo, desenhos legais e aparentasse ter um final surpreendente. Sempre indecisa, sempre.
Foi assim nos últimos minutos do intervalo de um dia qualquer que roubei “O Grilo Mágico”. Tudo nele me agradara. Era quase um milagre, um livro iluminado. A textura (e até o cheiro), as ilustrações de aquarela, os traços finos das fontes e claro, a história em si que era mágica como tudo que uma criança quer.
Aquele livro tinha que me pertencer e voltei para sala de aula apertando-o contra o peito, coração palpitando, o estômago em chamas sendo consumido pelo espírito de fora-da-lei e as bochechas coradas de criança gorda envergonhada.
Da escola, levei para casa. Durante dias mudava o livro de lugar com medo de ter que prestar explicações sobre o que era aquilo, de onde surgira este livro, como eu pudera cometer tal ato – desde pequenininha apresentando sérias tendências a tornar-me uma bela personagem neurótica de Woody Allen – e eu moía e remoia a idéia de que descobririam meu roubo, eu seria pega, desvendada e simplesmente teria que devolver “O meu grilo” à Direção do colégio e ainda levar o título de ladra, de usurpadora. Panic at library!
Os anos passaram, mudei de colégio e o livro ficou. Foi incorporado a minha prateleira como um livro qualquer. Mas de longe eu via o meu, somente meu dirty little secret.
A culpa só passou quando tempos depois numa dessas mudanças na qual você se vê obrigado fazer uma grande faxina geral (na sua vida), encaixotar todos seus pertences e é quando baixa o maior espírito Dalai Lama de Calcutá; eu repassei “O grilo mágico”, juntamente com mais outros livros didáticos, para crianças do interior do Estado.
Como eu nunca tinha percebido isso? Talvez porque nunca tivesse realmente precisado saber. Em virtude de ser mais velha, era meu irmão quem acabava por herdar meus livros já que boa parte da vida, nós estudamos em mesmos colégios. Para ele, isso era bom. Os livros alcançavam a mão dele ainda utilizáveis. Creio que se a realidade fosse inversa, eu não teria livros e sim, lixo tóxico encadernado.
Esse é o destino dos livros. Sem nhem nhem nhem de Secretaria da Educação, nem nada. Tô falando de karma, de energia, de dever na Terra. Cíclico, como a própria vida. O conhecimento, a lição, a aventura literária (ou matemática, ou geográfica, que seja…) seguindo mares e pares e lares nunca d’antes visitados.

21 de dezembro de 2008.
Quando a Mayra, em meio a uma livraria, exclamou para mim o quanto ela achava ganhar livros algo do caralho, eu só queria mesmo era abraçá-la. Isso sim é sintonia.
Faz parte dos pequenos prazeres da vida aquela sensação deliciosa que lhe atinge quando você lê algo que te emociona de qualquer forma e que subitamente lhe remete a algo ou alguém e vem aquele ímpeto de dividir um trecho, uma frase, um personagem com uma pessoa em particular.
Uma vez peguei da estante de minha mãe um livro chamado “A Festa”, de Ivan Ângelo, por conta de Caio Fernando Abreu tê-lo citado na apresentação de algum livro. Assim que folheei aquelas primeiras páginas, deparei-me com uma dedicatória de meu pai para minha mãe, que terminava assim: “… beijos amorosos meus, da nossa Carol e do nosso filho que está por vir”.
É nessa hora que eu conto para vocês que meus pais são separados há bem mais de 10 anos e meu irmão, que hoje tem 23, mora fora de Belém há dois anos. Não o vejo há esse tanto de tempo. Ler aquelas palavras foi como montar um quebra-cabeça, resgatar um pedacinho da história de cada um de nós quatro e relembrar que por mais que haja a vida que é estranha e haja a distância (física e emocional), somos e sempre seremos partes de um todo. Não tem como fugir disso.
Numa partida já deixei livros com pessoas queridas porque queria muito, muito que ambas tivessem algo meu: “A hora da estrela” (C. Lispector) e “Memórias de minhas putas tristes” (Gabriel Garcia Marquez). O livro de Clarice eu já havia lido pelo menos duas vezes, tornando assim Macabéa uma personagem viva na minha memória e que por vezes divagando em rodoviárias e centros comerciais eu conseguia de fato personificá-la na figura de caras estranhas e amedrontadas que cruzavam comigo.
Já o livro de Garcia Marquez eu já havia ganhado nessa mesma situação sob a qual eu o repassava, de alguém que partia. Então o passei a frente, como passos que gente dá para avançar: um a frente do outro.
Adoro a coleção sobre Filosofia Antiga que ganhei do meu pai. Confesso que só me foram úteis nos dois primeiros anos da faculdade. Mas eles conferem uma importância tão grande à minha prateleira: são sóbrios, com capas duras escuras, letras douradas e arabescos em cor de vinho. São livros  com cara mesmo de herança. Em meio aos meus livros de capas modernas e coloridas, são eles que impõem respeito e destacam-se.
Como eu poderia explicar para minha amiga que Caio Fernando Abreu é intenso, é sujo, é espiritual e sexual… Como? Eu comprei “Pedras de Calcutá” e antes mesmo de abrir a primeira página, emprestei a ela porque eu simplesmente precisava que ela soubesse sobre o que eu tanto falava.
Da mesma forma que só fui entender o que outra amiga minha queria dizer com “…nessa fase da minha só tenho amores a la Bukowski” depois de ler “Numa fria”. Era exatamente o que eu pensava: sexo casual resultante de bebedeiras homéricas e desapego, muito desapego a qualquer relação. Solidão existencial.
Não há outro jeito de dividir a emoção da leitura senão fazendo com que o livro corra por entre mãos eleitas. Não seria a mesma coisa se eu passasse horas e horas falando sobre o livro e fazendo mil e uma citações. É como pedir que alguém se emocione o mesmo que você vendo uma foto que você tirou de uma escultura no Louvre ou sei lá, em algum lugar muito fodástico para a mente e para a alma. Você só vai ter uma imagem e nada mais. O felling é único, não é repassado com o flash.
As histórias são sempre mais legais nos livros do que nos filmes. Dedicatórias em livros são sempre muito mais sensíveis, tocantes e perenes do que cartões com mensagens clichês e cheias de purpurina. Ler é muito melhor que ver televisão – pelo menos canal aberto – na maior parte do tempo.
Tenho meus grandes orgulhos de presente, como “Mamirauá” do Thiago de Mello e Luiz Cláudio Marigo – o qual me foi dado pelo próprio Thiago de Mello em 2003, num seminário que eu trabalhei e que rende uma crônica que com certeza viraria um capítulo na história da minha vida – e “Morangos Mofados” do Caio F., que ganhei de um ex-namorado. Nenhum dos dois livros eu dou, empresto ou deixo fotografar. São my precious, meus “grilos mágicos”. Um dia eles cumprirão seus ciclos e percorrerão outras mãos.
Não tenho como descrever que as mangueiras em frente à Estação das Docas são totalmente “Tim Burton” se você não estiver ligado no “Estranho Mundo de Jack” e é para isso que mando e mails com links das coisas mais variadas, toscas e legais possíveis. É só porque eu não posso estar com todos que eu gostaria em tempo real todo dia, conversando ou contando sobre como eu achei maravilhoso saber que o tal Tim irá dirigir “Alice no País das Maravilhas”.
É como a Mayra me ligar da casa número 1 do Quai de Bourbon, por causa de Camille Claudel, Rodin, Caio F. e uma promessa que fizemos a nós mesmas de tomar um dia um café  à beira do Sena. Sem deslumbres, apenas idealizações de vida adquiridas por meio de tudo de cultura que compartilhamos um com a outra.
Porra, dar um livro que eu já li é quase um convite a conhecer-me, a permanecer na minha vida ou quiçá um pedido, quase um sussurro de “não me esqueça”. O livro vai com as minhas marcações, minhas anotações que vão de encontro as divagações do imaginário de quem recebe e sobre quando, onde e como eu folheei tais páginas. É mágico, que nem o grilo. A meu ver, é realmente um presente, no amplo sentido da palavra.
Um dos meus livros queridos – que não dou, não empresto e nem pensar em fotografar – é bem quisto por isso, por eu ter sido sua segunda dona. Na verdade, sabe Deus quantas histórias esse livro tem pra contar que estão além de suas páginas pois ele foi comprado num sebo.
a634b74d920f266235d5a1a0ffd677b2e689c0bc_mSó sei que é melhor que qualquer terapia, qualquer antidepressivo. É energia pura e das boas. É kármico!

12:32 h – 22 de dezembro de 2008.
Notas adicionais:
Fome!
Estado emocional: leve
Cuca: legal

Você tem algum livro para indicar ou dar hoje? Aproveita!

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Um trecho

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(…)

Cada vez que me apertas contra teu peito, me sufocas e eu não consigo respirar. Cada vez que me apertas na palma da tua mão, como um punhado de areia, eu caio por entre as brechas aos poucos até que quando tu possas abrir só haja a sobra, só haja o um nada de areia que de nada te servirá. Um punhado que não serve nem para jogar em cima de um caixão antes da última despedida.

Eu ando tentando me consertar e abafar o que sou e ainda me entender no meio disso tudo. E com toda minha fraqueza posso te afirmar que não tem sido fácil e engulo toda dia uma pílula cujo único objetivo é fazer-me sentir bem. Mas continuo me sentindo vazia e tentando fazer com que isso passe num estalo de tempo, entre um cigarro e outro. Sem muito sucesso, confesso.

(…)

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Quando criança, fazer aniversário era aquela coisa toda de esperar que o mundo girasse a meu redor com os presentes, as felicitações, as surpresas e as pessoas queridas paparicando. Claro, que a melhor parte era ganhar presentes: eu sempre era levada àquela loja de departamentos gigante onde eu podia escolher o que quisesse.ac023e62cbc946434bd52b93ec3a799aafe7a21f_m

Com o passar dos anos a vaidade diminuiu. Não gosto de dizer aos outros que é meu aniversário. Passo todos os dias que antecedem a data lembrando os outros com diretas e indiretas sobre presentes e comemorações e chega no dia, morro de vergonha de receber o simples “parabéns”.

Passei a afirmar o mito do inferno astral que antecede a data do meu nascimento e esse ano, parece que o próprio Lúcifer se planejou para executá-lo com maestria em todos os departamentos da minha vidinha, indo desde o “setor” profissional até o sentimental. Rebuliço cósmico planejado para anteceder 24 de setembro de 2008. Caprichado!

Passado o inferno, ficou só o astral. Não esse de gente efusiva que alardeia seus pequenos feitos. Ficou o que fica depois da tempestade. Os destroços e algumas fagulhas de uma esperança que parece, nesse exato momento, ser a última. Mesmo que essa coisa completamente incompreensível chamada de existência já tenha me surpreendido várias vezes, o meu astral tá em cima do muro, tá no fio da navalha.

Não desanimo porque não posso. Fraquejo, sim. Muitas e muitas e muitas vezes. Cometo erros, dou mancadas com as pessoas que mais amo, não termino o que inicio e tenho o péssimo hábito de afastar as pessoas de perto de mim. Receio por fazer o processo inverso: ao invés de tornar-me borboleta, virar casulo de vez.

E hoje está sendo mais um dia que vai ser o primeiro dia do resto de minha vida, mais um recomeço, um start novo, novas metas a meu tempo. O lance todo foi a compreensão de algo bem simples: a gente não possui o tempo.

De nada adianta dizerem que estou mais pros 30 do que pros 20. Cada um tem seu tempo e constrói (ou destrói) sua vida nessas horas, minutos, segundos… sei lá, nessas convenções para aprisionar algo que nada mais é que nascer e pôr-do-sol. O meu tempo pode não está sendo tão ágil como muitas pessoas desejavam e até mesmo como eu previa para o meu futuro.

Lembro de imaginar-me, menina ainda, com meus 26 anos e parecia tão distante, algo bem como “casada, com casa, com filhos, cachorro e periquito”. Não foi o que plantei no decorrer desses anos, nem sei se definitivamente é o que quero. Não quero dizer que sou auto-suficiente ou algo do tipo.

Claro que quero um companheiro pra vida toda ou até onde nos aturarmos. Filho eu já tenho. Cachorro também. Mas a conjuntura é outra, entende? Eu quero mais do que isso e foi por abarcar o mundo com os curtos braços que fiz um monte de burradas e me enchi de confiança sem ter criado nenhum tipo de alicerce para me sustentar.

Hoje, eu quero menos. Quero as coisas no seu tempo. Não quero mais sofrer pelo que não foi, pelo que deixei para trás, pelo que está lá morto e enterrado. Não quero mais paixões avassaladoras, quero só me apaixonar por tudo e por todos a cada momento, como curtir uma caminhada num final de tarde ou sentir um prazer supremo em ir ao cinema sozinha (adoro!).

Parece meio papo de mulher á beira de ataque de TPM, toda essa reflexão sobre passado e futuro, sobre insatisfação e expectativa. Mas sempre – e quem me conhece sabe disso – sempre mesmo fui movida a grande quedas, a crises de ansiedade e a insatisfação perene sobre eu e o mundo todo. Desisti de mudar o mundo, até porque vi o quanto o mundo me mudou nesse último ano.

Lembrei do início do filme “Muito gelo e dois dedos de água” agora. Deu-me vontade de contar pra vocês que um dia vocês todos vão ver minhas obras de arte, ler meus best sellers e ouvir minhas músicas, porque tudo que a vida tem me acontecido está aguçando a minha veia artística. Pois bem…

Não sei se ano que vem vou contar para vocês que tomei coragem e montei um portfólio com meus textos e saí oferecendo por aí minhas escritas, em redações de jornais, de porta em porta. Ou pode ser que até lá eu possa ter tido oportunidade para fazer aquele curso de fotografia que sempre sonhei. Ou que tenha dado continuidade nas três línguas estrangeiras que comecei e deixei lá de stand by.

Ou pode ser que esteja na Austrália, surfando (mesmo sem crer que há alguma possibilidade nessa vida d’eu ter coordenação motora suficiente para ficar em cima de uma prancha). Não sei… Pode ser que nada dê certo ou pode ser exatamente que nada pareça dar certo para que no final tudo pareça estar encaixando. O bom é que no auge dos meus vinte e poucos anos, eu descobri que pode… que TUDO pode e não vou mais abrir mão de ser feliz.

Portanto, feliz desaniversário para mim. É muito mais divertido pensar em cada um dos dias que compuseram esses anos todos do que avaliar hoje e só hoje. Vou continuar comemorando todos os dias por estar aqui, viva e em pé até porque é muito divertido ver as pessoas organizando uma festinha surpresa para mim pensando que eu não tô sacando nada….

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Capítulo I

ef74f4426c8154674343508b528bf9e6f90b1763_mArt. 1º O ônibus sempre demorará (mais) quando você estiver com (mais) pressa.

Art. 2º Quando haja houver necessidade de tomar dois transportes coletivos para alcançar o seu “ponto-objetivo”, o segundo ônibus sempre demorará mais que o primeiro e sempre virá mais lotado, ou seja, nem sempre o motora irá parar.  Aceite isso.

Art. 3º Em toda parada de ônibus haverá camelôs.

§1 Em toda parada de ônus que houverem camelôs tomando conta da rua, a parada é não é na calçada. É na própria rua. Nem adianta dar piti e fazer cara de coitada quando ele passar a váarios metros de vc, querido (a).

Art. 4º Em toda parada de ônibus haverá ladrões.

§1 Até nas paradas onde você pensa estar só, eles (ladrões) estão lá.

Art. 5º A parada sempre estará lotada em caso de chuva e você sempre ficará indeciso entre poupar-se de uma pneumonia ou chegar ao seu destino.

§1 Em caso de achar plausível a possibilidade de contrair pneumonia, sempre haverá váaarias pessoas com seus guarda-chuvas a postos furando seu olho (literalmente).

§2 Caso você seja usuário desses guarda- chuvas, pode ter certeza: eles sempre emperrarão na hora de subir no “bonde”. Conselho: palavrões aliviam o estresse momentâneo.

Art. 6º É quando você estiver mais cansada que o coletivo estará lotado e você ficará em pé, quase com vontade de chorar.

Art. 7º Sempre que o Sol não estiver para brincadeira, o calor intenso e os odores estranhos (para não dizer fétidos) a seu redor é que São Pedro (de comum acordo com Murphy, é claro) mandará uma super chuva que obrigará todos a fechar aquelas frestas que chamam de janelas, fazendo assim com que todos tenham a sensação de habitar uma panela de pressão.

Art. 8º O cobrador nunca terá troco para uma nota de dez reais.

§1 Caso o cobrador tenha troco, sempre será em moedas.

Art. 9º Você sempre levantará para um idoso sentar/pessoa com deficiência sentar nos lugares destinados aos mesmos, nos assentos dianteiros.

§1 Os demais passageiros sempre o acharão um looser total por você ser solidário.

Art. 10º Sobre salto alto e subida no coletivo: a lei reafirma a máxima de que quanto mais alto o salto, maior a queda.

Art. 11º e não menos importante (ou irritante): o ônibus sempre chegará quando na parada você acender um cigarro.

§1 Em alguns casos específicos, somente após 10 cigarros o coletivo chega.

PS: Murphy é um grande entusiasta de políticas públicas participativas. Faça sua parte também. Ajude-o a formalizar as Leis. Obrigada!

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188471377_d348698d4b“Glutões de todo o mundo, discípulos de Baco, cultores do bom, do belo e do supérfluo, uni-vos: o prazer subiu no telhado. Ponham as carnes na grelha, aumentem o som, abram um vinho, reajam! Antes que seja tarde e o mundo se transforme numa barra de cereal. Light.”

[ .Do texto “Pensamento único”, de Antônio Prada. ]

Por Carol Barata

Ele: – Huuum. Salame! Que delícia! Vou comer todo esse pacote!

Ela: – Isso porque tu não comes carne de porco.

Ele: – Mas eu não como!

Ela: – Come, sim.

Ele: – Não. Eu não como porco. Só salame…

Ela: – Sim, meu bem. E salame é o que? Bacon é o que?

Ele: – Ah… mas pô. Só salame… e bacon.

Ela: – Pois é, mas ambas as coisas são feitas de carne de porco.

Ele: (Silêncio)

Ela: – Eu já sei: tu batizas o porco e o transformas em cordeiro, daí comes bacon e salame pensando que é filé de carneiro. Acertei?

Ele: – Sem graça. Fala sério…

Ela: – Isso é uma puta duma hipocrisia tua…

Ele: (Silêncio)

Ela: – Ah, bem relaxa. Eu também não como porco.

Ele: (Silêncio e espanto)

Ela: – Eles que me comem…

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Meu maior medo é te ver partir. Maior de idade e de malas prontas na porta de nossa casa, dizendo “tchau, velha” e eu consentindo tudo isso. Meu bebê largando a barra da minha saia e me chamando de velha. Meu maior medo logo depois será tornar-me velharia em tua vida.

Mas sei que vou superar esse medo e substituí-lo por outro, o medo de que não estejas tongspbcomendo bem, limpando as orelhas direitinho, separando a roupa colorida da roupa branca na hora de lavar e me preocuparei se usas camisinha. De nada vai adiantar os gastos que tivemos com Johnson & Johnson, o truque que eu tinha para limpar tuas orelhas sem te fazer chorar e as roupinhas tão fofas e bem lavadas se entrares nessa brincadeira de roleta-russa que é transar sem camisinha hoje em dia. Não dá. Vou perder noites e noites de sono pensando se compras preservativo e de que marca.

Não tenho medo que engravides uma moça – eu disse “moça”? Tô ficando velha, meu Deus… – ainda novo. Vieste a minha vida como uma bênção e assim, tão de surpresa quanto um dia de sol com chuva. Foste presente planejado não por mim, mas por um plano maior, algo mais superior que esse sentimento que nutro por ti. Vieste mais para que eu aprenda do que para que eu ensine. Portanto, não temo pela gravidez na juventude.

Temo sim por milhões de coisas que quero que faças: as viagens de mochilão, de carona, à praia, com garotas, com amigos, com dinheiro, sem dinheiro, para fora do país, para o interior do Brasil. Receio por não viajares em si próprio por meio da leitura, das músicas, dos romances complicados, das terapias, das fotografias, das imagens belas e sujas que a vida, a vivência em si, nos fornece. Quero-te como uma esponja, absorvendo tudo que o mundo pode te oferecer.

Aí me vem o medo de que sejas tão cidadão do mundo que não voltes para o Natal, para o Círio, para a Páscoa, para o aniversário dos teus avós, para o meu aniversário. Tenho medo do que o mundo venha a te oferecer possa te afastar do que é teu por completo, que é o amor que todos nós dedicamos a ti desde que soubemos de tua vinda.

Se aquela revista para gestantes estava certa, ouviste direitinho quando li para ti O Pequeno Príncipe. Eu estava grávida de cinco meses e mexias e remexias na minha barriga. E quero que lembres da parte que diz que somos responsáveis por aquilo que cativamos. Sim, somos mesmo. Portanto, cative o bem. E só. O resto será automático, será conseqüência.

Um dia eu vou te ver grande e isso vai me doer, eu sei. Eu vou reclamar por nada e de tudo, porque me faltará assunto e também me faltará jeito para dizer o quanto te amo. Vou fazer piadinhas sem graça na frente das tuas namoradas e dos teus amigos porque vai me incomodar te ver me afastando do que é legal para ti. Disso eu também sei.

Mas me guarde sempre contigo, mantenha-me como um porto seguro. Desfaço todos os planos, tudo que puder eu faço, só para te ver feliz. Teu sorriso é luz branca, violeta e azul. Os meus olhos conseguem enxergar um arco-íris todo ao te ver e sentem da mesma forma. És o mais singelo significado de vida e força.

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Hoje eu levantei e a deixei lá, sentada no canto do quarto, como tem sido regularmente. Ela acorda comigo e me olha de soslaio, como quem pedisse para me fazer companhia no resto do meu dia. Mas atualmente, finjo que não a vejo.

0a4d6d7c72dd9fdc525cfacde8252ccecd874a64_mTomo meu banho ouvindo música alta. Saio sempre com pressa e nem sempre com um sorriso nos lábios. Enquanto ela acorda mal humorada e permanece assim o resto do dia, distribuindo coices e patadas a todos, sem muito critério. Mas eu tenho feito questão de deixá-la lá, bem trancada no quarto.

Ela buzina no meu ouvido dizendo que não é para eu comer muito porque o crescimento do meu manequim semi-obeso é tão proporcional quanto ao da inflação no Brasil. Aí eu dou a ela um foda-se bem alto, assim como o Banco Central dá aos brasileiros desesperados com medo de surtos econômicos. Ah, eu quero mais é me esbaldar em bife, arroz, feijão, bata frita e coca-cola. Peço para ela me deixar ser uma gordinha feliz.

Acho que ela se incomoda com o meu bem estar num modelito 42 ou com a minha falta de organização com a minha bolsa. Na verdade, ela se incomoda com todas as coisas pequenas e isso a cega para coisas grandiosas, entende? Ela fica de nhem-nhem-nhem atrás de mim dizendo: cuidado com a balança, com a moda, com a chuva, com o cabelo desgrenhado, com as sardas, com o palavreado, com a aparência. Pois ela me enche tanto, mas tanto, que simplesmente tenho que ceder.

Entro em paranóia e fico me analisando em frente ao espelho: a pele não é como eu queria, mas dá pro gasto. Nada que um corretivo não resolva. A silhueta não é mais a mesma? Negativo! As roupas é que ficaram pequenas. Nada que roupas novas não resolvam. Então, repito o ritual matutino: vou tomar O Banho escutando música mais alta ainda e grito, berro e desespero a pobre menina paranóica no canto do meu quarto.

Aí, ela se arrepende amargamente porque saio mais revigorada do que nunca, a fim de pegar um cinema, uma chuva, ver um arco-íris, tomar água de coco. Sei lá, saio com todo gás e ela continua andando atrás de mim, sem saber o que falar, me lembrando que o ex-namorado me traiu com uma “amiga”, que tem muito mês para pouco salário, que eu preciso fazer uma hidratação nos cabelos, que já estou mais para os 30 anos do que para os 20, que fumar mata e por aí em diante…

Então, ela apela, com os olhos amargurados e cheios de lágrimas que não mais vai me avisar. Mas não consegue calar a boca. Ela pede para eu ficar em casa vendo e revendo fotos de outros tempos com ela, porque é só aquilo que ela gosta de fazer, remoer o passado. Deve ser por isso que ela sempre, mas sempre mesmo, tem dores de estômago, enxaquecas, crises de choro ou de consumismo. Acho que essa carência absurda a deixa sempre dodói e ela até gosta porque é um jeitinho que tem de conseguir mais atenção.

A insistência dela me dá um nó na garganta e eu cedo, não tem jeito. Eu sento e fico lá, remoendo cada lembrança que ela puxa do fundo do baú. Mas sabe qual é o problema? Eu, aos poucos, estou conseguindo enterrar meus fantasmas. Enquanto ela os desencava de túmulos profundos e quase os torna múmias vivas. Coitadinha… ela faz isso pensando que eu vou leva-las para passear junto comigo. No way, baby!

O que essa menina tola e mimada, com medo de tentar, de arriscar, não percebe é que eu mudei. Tive que mudar. Eu precisei enfiar o dedo na tomada uma, duas, dez vezes e tomar choques terapêuticos deveras chocantes para saber que precisava me mudar de mim. E me mudei. Deixei essa minha parte no canto, junto com as roupas que não me cabem mais, com os amores que não deram frutos, com as falsas amizades, com a velha vida.

Eu troquei de pele nessa nova estação, me adaptei ao meio assim como um réptil. Minha energia que antes era alimentada a pilhas, agora é abastecida pela energia solar. Saio de manhã respirando fundo e soltando o ar devagar. E vejo as coisas darem certo para mim mesmo quando tudo tende a piorar.

Precisei ouvir que tenho medo de ser feliz, quer dizer, tinha. Por isso que hoje, ao sair, deixo essa minha parte amargurada das antigas relações trancada no quarto, de castigo, ajoelhada no milho. Não tenho mais paciência para a tristeza, não tenho vaga para depressão. A solidão não me anima mais.

Enterrei meu passado e só volto a vê-lo no dia de finados. Levo a menina tola para passear nesse dia, devidamente munida com um bouquet de flores do campo. Rezo para que ela fique lá, com meus demônios e assombrações. Um dia ela me deixa de vez e enxerga o quanto eu sou feliz.

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Ela andava afoita pelo futuro. O presente não oferecia novidades, não a estimulava, nem com todas as mudanças dos últimos tempos: mudou do Sul para o Norte, mudou de faculdade, mudou o número do celular e naquele ímpeto de quem quer dar grandes reviravoltas, disse a si mesma que mudaria mais um pouco. Começou uma dieta, deixou o namorado e se jogou na vida bandida, decidiu a felicidade.

Mas aquela vontade de saber mais sobre o futuro a corroia. Porque era presa de alma. Não conseguia dar um passo a frente sem perguntar a dez mil pessoas antes o que deveria fazer e era inexoravelmente maniqueísta. Traçava seu plano maior se baseando no que os outros pensavam e no que era “certo”. E pelo andar da carruagem – porque naquela cabecinha de merda ainda existiam contos de fada com princesas da Disney, carruagens que chegavam à meia noite e amor eterno – tudo daria certo enquanto ela focasse seu viver na pseudo-certeza dos padrões pré-fabricados por outras pessoas.

Foi aí que decidiu cair no conto do vigário. Para saber algo (leia-se mentira ou sinônimos) sobre o futuro, pagava qualquer coisa. Foi num cara que jogava búzios e pagou R$50. E claro, de nada adiantou. Ela logo percebeu que uma criança de quatro anos de idade faria aquela leitura: quando os búzios caiam com a cavidade para cima, era “sim”. Quando era o inverso, a resposta era “não”. Ou seja, porra nenhuma sobre nada da merda de futuro que a aguardava. Depois de uma espera de horas a fio, saber que tudo que o cara mais fodasso no ramo da vidência em búzios conseguia ler sobre a sua vida era aquilo, deu mais raiva ainda.

Aí num impulso de extrema “inteligência”, daquelas inteligências de macaco amestrado para freak show, foi que chegou a Tia Maroca. Ah, que mal faria ir a ela? É apenas uma vidente-benzedeira. Nada demais por apenas R$25 a mais. Agora ia dar tudo certo.

Pensou várias vezes em ir embora, mas como esperar que alguém extremamente desesperado por saber se seu futuro será composto por uma grande paixão, um emprego multimilionário juntamente com um príncipe encantado que chegue num cavalo branco, seja sensato? Não há como.

Por isso, continuou remoendo seus sonhos impossíveis de hight society e esperou. Meia hora, uma hora inteira, uma hora e meia, duas horas … e finalmente, o fim da espera chegou depois de duas horas e meia de espera. Não tendo aproveitado nada de sua experiência anterior com o cara dos búzios, acreditou que aquela espera toda era um sinal de que a tal da Maroca era fogo na roupa, acertava tudo sobre tudo. Sentiu-se aliviada e pensou: “ – Agora vai.”

E foi. Só não sabia exatamente o que tinha sido. Ficou em dúvida se aquilo era piada ou pegadinha. Ela lavou a cara na pinga assim como a senhora carinhosamente ordenava – enquanto a chamava de “fia”. É tão mais aconchegante quando numa situação difícil, as mulheres deixam aflorar seu espírito maternal, não é mesmo?! – e ficou parada, tensa, enquanto a Tia Maroca baforava com vontade na sua cara e ao seu redor uma fétida fumaça de charuto de septuagésima categoria. A garota só pensava que logo, logo acabaria e brevemente aquela humilhação toda se pagaria. Ela saberia até quantos milhões teria na sua conta bancária conjunta com seu marido velho e multimilionário. Foi quando ouviu:

– Pronto, “fia”. Pode ir.
– Ir para onde?
– Ir… pode ir. Você já tá benzida e protegida, “fia”. São “vinte e cinco real” pra benzer, certo?
– Certo…

E para quem gostava sempre do certo, teve o que merecia. Pagou a grana e saiu de lá atrasada para a faculdade. No caminho, duas motos a perseguem e depois desse sarro que os orixás e oxalás tiraram com ela – ou ela mesma tirou consigo indo atrás do que vem a nós por seus próprios meios -, pensou que só podia ser assalto. Pisou fundo no acelerador e foi embora, furando o sinal que estava tão ou menos vermelho que sua cara de ódio da vidência e de si mesma.

Ela só não contava com que as motos fossem dois guardinhas de trânsito que a pediam para parar o carro. Foi nesse momento de “grande percepção” que resolveu fazer o que os ditos cujos pediam e pensou em rezar para alguém que inspirasse maior confiança do que búzios ou cachaça , mas não teve coragem.

Seria demais pedir a Nossa Senhora ou para alguma santa que a protegesse enquanto ainda estava impregnada com aquele odor de terreiro de macumba. Mesmo assim rezou: pediu com bastante veemência e resignação que, de alguma forma, os guardas de trânsito tivessem problemas de olfato e não sentissem a extravagante essência de caninha barata. Funcionou e bem melhor que seus neurônios, pelo jeito.

A partir daí, ela nunca mais procurou saber o que vai ter para o jantar ainda na hora do almoço. Decidiu pintar seu cabelo de outra cor e o cortou, temendo algum dia na vida ser reconhecida por qualquer pessoa que a tivesse encontrado no dia das tais missões adivinhatórias. Jogou fora as roupas que usou no fatídico dia e comprou um banho de ervas o qual disseram que é ótimo para tirar urucubaca de olho gordo. Como se pode ver, a menina operou grandessíssimas mudanças em sua vida.

Só não muda uma coisa: todo final de tarde, a bela garotinha de mais de vinte anos de idade se senta à janela na esperança de que apareça uma fada madrinha e a leve para fazer compras no shopping center mais “bombado” da cidade. Assim ela poderá jogar suas tranças e esperar seu príncipe encantado de idade avançada e um dote bem dotado resgata-la do caritó.

Ela senta à janela e espera… e continua esperando… pelo futuro.

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