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Posts Tagged ‘Camille Claudel’

Últimos dias de 2008 – Século XXI
– Égua, é muito bom comprar livros, né?
– É…
– Melhor ainda é ganhar. Nossa, ganhar é surreal. Imagina você que a pessoa que quer te presentear passou tempos olhando e folheando diversos livros até encontrar o que se encaixa a sua personalidade.
– Isso!
– Ai, amiga… Deixa eu te dar um abraço?
– hahahahahaha. Por quê?
– Porque eu sinto exatamente isso.

Um dia qualquer do ano de 1992 – Século XX
Escola de Primeiro Grau São Jerônimo. Aprendi a escrever com essa letra redondinha lá. Toda sexta-feira era o “dia da leitura”. Na praça central do colégio eram colocadas mesas enormes de madeira com livros que ficavam lá,  a revelia do nosso imaginário. Não era permitido levá-los para o parquinho, rasgar, rabiscar, derramar lanche em cima ou danificar de qualquer outra forma. Assim era repetido de cinco em cinco minutos na rádio interna do colégio.
Eu costumava investir os míseros 30 minutos que compunham meu recreio na avaliação e eleição de qual livro tinha um harmonioso conjunto que combinasse título interessante, enredo, desenhos legais e aparentasse ter um final surpreendente. Sempre indecisa, sempre.
Foi assim nos últimos minutos do intervalo de um dia qualquer que roubei “O Grilo Mágico”. Tudo nele me agradara. Era quase um milagre, um livro iluminado. A textura (e até o cheiro), as ilustrações de aquarela, os traços finos das fontes e claro, a história em si que era mágica como tudo que uma criança quer.
Aquele livro tinha que me pertencer e voltei para sala de aula apertando-o contra o peito, coração palpitando, o estômago em chamas sendo consumido pelo espírito de fora-da-lei e as bochechas coradas de criança gorda envergonhada.
Da escola, levei para casa. Durante dias mudava o livro de lugar com medo de ter que prestar explicações sobre o que era aquilo, de onde surgira este livro, como eu pudera cometer tal ato – desde pequenininha apresentando sérias tendências a tornar-me uma bela personagem neurótica de Woody Allen – e eu moía e remoia a idéia de que descobririam meu roubo, eu seria pega, desvendada e simplesmente teria que devolver “O meu grilo” à Direção do colégio e ainda levar o título de ladra, de usurpadora. Panic at library!
Os anos passaram, mudei de colégio e o livro ficou. Foi incorporado a minha prateleira como um livro qualquer. Mas de longe eu via o meu, somente meu dirty little secret.
A culpa só passou quando tempos depois numa dessas mudanças na qual você se vê obrigado fazer uma grande faxina geral (na sua vida), encaixotar todos seus pertences e é quando baixa o maior espírito Dalai Lama de Calcutá; eu repassei “O grilo mágico”, juntamente com mais outros livros didáticos, para crianças do interior do Estado.
Como eu nunca tinha percebido isso? Talvez porque nunca tivesse realmente precisado saber. Em virtude de ser mais velha, era meu irmão quem acabava por herdar meus livros já que boa parte da vida, nós estudamos em mesmos colégios. Para ele, isso era bom. Os livros alcançavam a mão dele ainda utilizáveis. Creio que se a realidade fosse inversa, eu não teria livros e sim, lixo tóxico encadernado.
Esse é o destino dos livros. Sem nhem nhem nhem de Secretaria da Educação, nem nada. Tô falando de karma, de energia, de dever na Terra. Cíclico, como a própria vida. O conhecimento, a lição, a aventura literária (ou matemática, ou geográfica, que seja…) seguindo mares e pares e lares nunca d’antes visitados.

21 de dezembro de 2008.
Quando a Mayra, em meio a uma livraria, exclamou para mim o quanto ela achava ganhar livros algo do caralho, eu só queria mesmo era abraçá-la. Isso sim é sintonia.
Faz parte dos pequenos prazeres da vida aquela sensação deliciosa que lhe atinge quando você lê algo que te emociona de qualquer forma e que subitamente lhe remete a algo ou alguém e vem aquele ímpeto de dividir um trecho, uma frase, um personagem com uma pessoa em particular.
Uma vez peguei da estante de minha mãe um livro chamado “A Festa”, de Ivan Ângelo, por conta de Caio Fernando Abreu tê-lo citado na apresentação de algum livro. Assim que folheei aquelas primeiras páginas, deparei-me com uma dedicatória de meu pai para minha mãe, que terminava assim: “… beijos amorosos meus, da nossa Carol e do nosso filho que está por vir”.
É nessa hora que eu conto para vocês que meus pais são separados há bem mais de 10 anos e meu irmão, que hoje tem 23, mora fora de Belém há dois anos. Não o vejo há esse tanto de tempo. Ler aquelas palavras foi como montar um quebra-cabeça, resgatar um pedacinho da história de cada um de nós quatro e relembrar que por mais que haja a vida que é estranha e haja a distância (física e emocional), somos e sempre seremos partes de um todo. Não tem como fugir disso.
Numa partida já deixei livros com pessoas queridas porque queria muito, muito que ambas tivessem algo meu: “A hora da estrela” (C. Lispector) e “Memórias de minhas putas tristes” (Gabriel Garcia Marquez). O livro de Clarice eu já havia lido pelo menos duas vezes, tornando assim Macabéa uma personagem viva na minha memória e que por vezes divagando em rodoviárias e centros comerciais eu conseguia de fato personificá-la na figura de caras estranhas e amedrontadas que cruzavam comigo.
Já o livro de Garcia Marquez eu já havia ganhado nessa mesma situação sob a qual eu o repassava, de alguém que partia. Então o passei a frente, como passos que gente dá para avançar: um a frente do outro.
Adoro a coleção sobre Filosofia Antiga que ganhei do meu pai. Confesso que só me foram úteis nos dois primeiros anos da faculdade. Mas eles conferem uma importância tão grande à minha prateleira: são sóbrios, com capas duras escuras, letras douradas e arabescos em cor de vinho. São livros  com cara mesmo de herança. Em meio aos meus livros de capas modernas e coloridas, são eles que impõem respeito e destacam-se.
Como eu poderia explicar para minha amiga que Caio Fernando Abreu é intenso, é sujo, é espiritual e sexual… Como? Eu comprei “Pedras de Calcutá” e antes mesmo de abrir a primeira página, emprestei a ela porque eu simplesmente precisava que ela soubesse sobre o que eu tanto falava.
Da mesma forma que só fui entender o que outra amiga minha queria dizer com “…nessa fase da minha só tenho amores a la Bukowski” depois de ler “Numa fria”. Era exatamente o que eu pensava: sexo casual resultante de bebedeiras homéricas e desapego, muito desapego a qualquer relação. Solidão existencial.
Não há outro jeito de dividir a emoção da leitura senão fazendo com que o livro corra por entre mãos eleitas. Não seria a mesma coisa se eu passasse horas e horas falando sobre o livro e fazendo mil e uma citações. É como pedir que alguém se emocione o mesmo que você vendo uma foto que você tirou de uma escultura no Louvre ou sei lá, em algum lugar muito fodástico para a mente e para a alma. Você só vai ter uma imagem e nada mais. O felling é único, não é repassado com o flash.
As histórias são sempre mais legais nos livros do que nos filmes. Dedicatórias em livros são sempre muito mais sensíveis, tocantes e perenes do que cartões com mensagens clichês e cheias de purpurina. Ler é muito melhor que ver televisão – pelo menos canal aberto – na maior parte do tempo.
Tenho meus grandes orgulhos de presente, como “Mamirauá” do Thiago de Mello e Luiz Cláudio Marigo – o qual me foi dado pelo próprio Thiago de Mello em 2003, num seminário que eu trabalhei e que rende uma crônica que com certeza viraria um capítulo na história da minha vida – e “Morangos Mofados” do Caio F., que ganhei de um ex-namorado. Nenhum dos dois livros eu dou, empresto ou deixo fotografar. São my precious, meus “grilos mágicos”. Um dia eles cumprirão seus ciclos e percorrerão outras mãos.
Não tenho como descrever que as mangueiras em frente à Estação das Docas são totalmente “Tim Burton” se você não estiver ligado no “Estranho Mundo de Jack” e é para isso que mando e mails com links das coisas mais variadas, toscas e legais possíveis. É só porque eu não posso estar com todos que eu gostaria em tempo real todo dia, conversando ou contando sobre como eu achei maravilhoso saber que o tal Tim irá dirigir “Alice no País das Maravilhas”.
É como a Mayra me ligar da casa número 1 do Quai de Bourbon, por causa de Camille Claudel, Rodin, Caio F. e uma promessa que fizemos a nós mesmas de tomar um dia um café  à beira do Sena. Sem deslumbres, apenas idealizações de vida adquiridas por meio de tudo de cultura que compartilhamos um com a outra.
Porra, dar um livro que eu já li é quase um convite a conhecer-me, a permanecer na minha vida ou quiçá um pedido, quase um sussurro de “não me esqueça”. O livro vai com as minhas marcações, minhas anotações que vão de encontro as divagações do imaginário de quem recebe e sobre quando, onde e como eu folheei tais páginas. É mágico, que nem o grilo. A meu ver, é realmente um presente, no amplo sentido da palavra.
Um dos meus livros queridos – que não dou, não empresto e nem pensar em fotografar – é bem quisto por isso, por eu ter sido sua segunda dona. Na verdade, sabe Deus quantas histórias esse livro tem pra contar que estão além de suas páginas pois ele foi comprado num sebo.
a634b74d920f266235d5a1a0ffd677b2e689c0bc_mSó sei que é melhor que qualquer terapia, qualquer antidepressivo. É energia pura e das boas. É kármico!

12:32 h – 22 de dezembro de 2008.
Notas adicionais:
Fome!
Estado emocional: leve
Cuca: legal

Você tem algum livro para indicar ou dar hoje? Aproveita!

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