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Archive for the ‘Anna Carla’ Category

Apenas calada

Cansei de falar, falar, falar… Já começo a duvidar se realmente falar de tudo o que se sente vale mesmo a pena. Demorei muito tempo pra poder ter a coragem de dizer tudo o que eu acho, penso e sou. Principalmente quando estou com raiva. Era daquelas que ficava caladinha, fazendo bico. A cara feia sempre foi bem interpretada como ódio, mas o motivo, pra tirar de mim, era uma verdadeira ginástica mental.

Cresci ouvindo das pessoas que passavam por essas situações que isso era errado. Era preciso colocar pra fora, resolver o que tiver de ser resolvido, não deixar as coisas mal-resolvidas. E então eu fui exercitando o lado prático da coisa, dando um gelo ali, falando um pouquinho aqui, até que o meu orgulho pudesse ser deixado de lado e eu realmente começasse a falar.

Agora, depois de anos, quando fico puta, eu falo. E falo pra caralho mesmo, boto tudo pra fora. Esculhambo, brigo, digo que estou me sentindo assim e assado. Com o passar dos tempos, adivinha o que eu virei? Chata e cheia de cobranças. Pra quê, cara?! Pra que as coisas pudessem se resolver? Creio que não.

Adoto uma nova postura antiga simplesmente por não ter mais paciência de falar. E me sentir chata. Ou falarem que eu gosto de cobrar dos outros. É muito melhor ficar calada, afastar as coisas e pessoas que te deixam com ódio e fim. Se por acaso quiserem saber o motivo da raiva – que na minha opinião é fácil de descobrir, já que todo mundo sabe o que faz – que se virem! Eu é que não vou ficar além de puta ainda me trocando com os outros.

Mode blasé, on! Fazendo a egípcia.

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Mudanças

“Eu não escrevo aquilo que quero, eu escrevo aquilo que sou”. (C. Lispector)

Mesmo não sabendo direito quem sou só consigo escrever o que sai de mim como aquele berro explosivo de quem está perdendo as estribeiras. Ando pensando bastante em como costumo mudar perto dos outros. Pra cada pessoa costumo ter um tipo de reação, é como se eu conseguisse me moldar conforme a moldura. Estranho.

Sou diferente a cada tipo de relação, independente do tipo. Posso ser a pessoa mais chata e mais legal do mundo ao mesmo tempo. Não sou muito de reclamar, mas perto de alguns viro uma verdadeira máquina de piti. E, sério, não acho que a culpa seja totalmente minha, não. Acredito que as pessoas se tratam como devem se tratar e que é impossível existir um comportamento igual para todos. No máximo, colocamos no automático e nos comportamos de maneira padrão, e talvez isso seja a nossa essência ou o teatro que já estamos cansados de encenar. Não sei.

Tenho medo de quem realmente eu possa ser. Minto. Na verdade eu tenho medo do que as pessoas possam me tornar. Algumas me tiram do sério e me deixam fazer coisas que nunca imaginei ser capaz.

Encontro defeitos que em décadas nunca pensei em ter. Será que são defeitos mesmo? Até que ponto precisamos nos moldar pelos outros? Até que ponto não é melhor esquecer toda aquela psicologia de que é conversando que nos entendemos e dizer que eu não vou mudar e ponto. Não me incomodo de ser assim, não faço mal a ninguém, porque deveria mudar então?

Não sei até que ponto estou sendo completamente ignorante ou flexível demais com a opinião dos outros. Isso me faz pensar, irritar, confundir. Na verdade, a grande pergunta é pra quê? Pra satisfazer a vontade dos outros, evitar certos atritos quando nem se sabe se é concordável esse tal grande defeito?

Termino com o que comecei. A própria C. Lispector conseguiu concluir meus pensamentos.

“Quando a gente começa a se perguntar: para quê? então as coisas não vão bem. E eu estou me perguntando para quê. Mas bem sei que é apenas ‘por enquanto’.”

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Ando sem a menor das inspirações pra escrever. Até que tento, no cantinho, depois de ler um conto fantástico de outrem, me forço, reforço e nada. Engraçado como nada flui, não do jeito que eu acho que deva ser. A culpa – quem diria? – tem um culpado. Meu pacto de não escrever nada negativo. Firmei comigo mesma, sei lá, um modo de exercer a positividade e mudar o foco dos meus textos.

A partir daí, o fim se deu. Quer dizer, não se deu. Toda e qualquer história criada por mim ficou pela metade. Nasceu, cresceu e ficou por ali mesmo em menos de mil toques. É difícil ser autora de uma obra nada venenosa, sem sequer um pingo de melancolia ou, sei lá, aborrecimentos diários e ironias cotidianas.

Fiquei pensando no meu papel de quem escreve, mesmo que asneiras e coisas minhas e apenas pra mim. Sou egoísta, não consigo pensar nos meus leitores e sequer me preocupar com o que eles vão achar. Crio um espaço que querendo ou não é público, apenas para de alguma forma deixar as minhas frustrações e críticas percorrerem horizontes que vão além dessa minha cuca loira.

Agora eu vivo uma fase de pouca profundidade, sabe? Nada de mergulhar fundo na maré das inquietudes humanas. Ando sem saco pra ter reflexões de qualquer tipo. Tudo anda tão bem de um jeito tão simples que isso simplesmente repercutiu em tudo o que toco: lápis, papel, amigos, família, dinheiro, cama, panela, cachorro. Tudo. Gosto mais de ver seriado até dormir ou comer um miojo no jantar [voltei a achar macarrão instantâneo comida de gente fora de situações de risco].

Será que a felicidade me tira toda a vontade de contar a minha história pro mundo? Será que eu só sei escrever quando o coração aperta e o mundo explode?

Eu não quero, cara, parar de escrever. Por isso pensei em escrever justamente sobre essa questão. É negativo? Nem sei dosar.

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Balanço 2008

Esta é a época de divulgar o balanço dos últimos doze meses. Da Federação Internacional das Indústrias até a peixaria do seu Zé, todos acabam trocando um momento de distração por lápis, bloquinho de contas e calculadora. Até mesmo os mais desorganizados e desprendidos desse costume tiram uns minutinhos para avaliar o saldo do ano que vai embora. Se positivo, enchem a cara no dia para comemorar. Se negativo, compram uma grade para afogar as mágoas.

 

        Quanto a mim, posso dizer que reclamei. Foi um ano de muitos protestos, teorias e reflexões sobre a vida. Momentos de revolta, pouca tristeza, mas muita inquietude. Foi o ano que o desespero chegou, “quero tudo: dinheiro, emprego legal, tempo pra descontrair com os amigos, vida amorosa estável, baladas de sábado com a roupa da vitrine, ajudar os velhinhos desabrigados, estudar outra língua, visitar um lugar diferente, conhecer pessoas novas, viver, viver, viver”.

 

        Tinha uma sede incontrolável ao pote, por isso batia o pé, eu queria tudo, e queria já, agora, rápido que time is money, is honey, is one day more close to death. Passei o ano com o coração agoniado. Eu queria correr, subir todos os degraus, ter histórias pra contar. Dei uma de mimada e ponto. Por ironia, quanto mais rápido eu me articulava, mais me sentia presa, empacada.

 

        Comecei por sair quase todos os dias da semana. Eu tinha dinheiro, um emprego que adorava, o que não me fazia perder a responsabilidade e me tirava a dor na consciência. Entre uma cerveja e outra, conheci pessoas novas, aprofundei antigas amizades e ouvi histórias surreais. Eu tinha a sensação de cada vez mais conhecer a vida de perto, apesar de viver a minha de longe.

 

        Foram momentos felizes e inesquecíveis que, sem dúvida, me fizeram crescer. Mas era preciso arranjar alguma fórmula mágica pra tentar apagar essa ansiedade maluca que eu tinha de sempre querer mais e não ter paciência de esperar a concretização dos meus sonhos.

 

        Pois então que sai de mim e tomei certas atitudes que não considerava do meu feitio. Nada grave, aos olhos de outrem. Me perdi pra poder me achar depois. Procurei em rezas, livros e lugares saber até onde eu era capaz de chegar, o que de fato eu tanto almejava? Foi difícil, complicado, sofrido, cheio de uma falta de paz de espírito.  

 

        Mas eu me encontrei, sim. No final do ano, admito. E gostei do que pude ver. Tanto abstrato se transformou em construção. Hoje prefiro colocar o tijolo do que querer o muro feito. Não é fácil não, gente. Não serei piegas ao ponto de dizer que no fim das contas encontrei a felicidade plena para sempre – até porque ela não existe.

 

Porém, dizer que o ano foi negativo é renegar a minha evolução. Adquiri conquistas impagáveis, perdi outras guerras. Comerei as uvas da virada com outras muitas dúvidas, vontades de mudar e uma esperança renovada.

 

A diferença, no entanto, faz toda a diferença: o coração está tranqüilo e manso como uma bênção. 

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Sensível

Essa sensibilidade que tantas vezes eu odeio e teimo em arrancá-la de mim como se arranca uma parte do braço. Não adianta, fará falta. O que seria de mim sem ela?

 

É um membro importante, que às vezes inflama como um joelho com ligamento rompido. Se arrancar, nunca mais poderei caminhar pelos campos do tempo com tanta facilidade. Correr então, seria tropeçar na primeira pedra com uma velocidade que de tão baixa me irritaria.

 

Já disse, não adianta. É assim. Simples e claro como achar água de igarapé gelada. É só entrar e sentir, sem mistério e mais complicações.

 

Essa sensibilidade que me faz ver e entender melhor as pessoas, me faz tantas vezes sair do chão para poder tocar as estrelas.

 

De entender frases no olhar daqueles que amo e de poder filtrar todos os momentos que eu achei que não fariam a menor falta, mas que inundam o coração de saudade.

 

Inundam porque tiveram dias e dias que esse lado esquerdo apertou tanto que minha garganta dava nó. Vejam só, sensível do jeito que sou, não dava outra.

 

Porém, essa mesma sensibilidade que me fez compor tristes fatos de choro em vão, é a mesma que lavou minha alma e me fez nascer de novo. Agora mais forte, mais feliz e com saudade.

 

Vejo as minhas antigas fotos e sinto saudade. Daqueles dias que eu ainda não entendia o desenrolar das tramas, do cabelo de cor oposta.

 

Sinto a minha falta.

 

Era outra. Mais infantil, imatura, porém não menos eu. Cheia de sonhos e louca pra saber quais as surpresas da estrada.

 

Quer saber? Quem disse que não continuo ela? Dessa vez com uma imaturidade manifestada de outra maneira. Quem vive à flor da pele não tem como deixar de ser criança.

 

Mas o que importa? O passado ruim escorreu por entre os meus pés e entrou na terra. Nasceram apenas boas lembranças no lugar.

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Os sinos

Meio dia de dezembro. Não acho que o clima seja natalino, mas um clima existe, é fato, é bom. O calor me sufocaria se eu não estivesse saído do ar condicionado. É só um quarteirão até meu carro, não cansa, não faz calor. Pelo contrário, faz-me um agrado, tira o frio, faz voltar à vida. O mesmo guardador de carros, parado na mesma esquina. O céu azul, o sino agitado da igreja da mesma esquina do flanelinha. Sempre toca ao meio dia, meio querendo avisar que existem demônios no chão quando estamos nas nuvens. Quando não estamos, nos faz olhar pro céu. Os sinos sempre nos levam a algum lugar.

 

Coloco os meus óculos escuros assim que saio porque tenho mania de achar que estou sendo filmada. Vai saber? Que nem em Hollywood, naquelas cenas de comédia romântica onde tudo pode acontecer durante as míseras duas horas do almoço. Eu reflito sobre o meu absurdo, “Como assim, filme, cara?”, duas horas mal dá pra colocar um prato médio de salada na barriga e um banho de português, isso porque eu moro a cinco minutos do trabalho.

 

Mesmo assim eu gosto de imaginar que em algum lugar do Universo alguém filma meus passos, nem que seja mentalmente. Alguém deve nos acompanhar, não é possível. Algum ser superior, espiritual, alienígena ou microscópico deve anotar tudo o que fazemos. Será que ele sabe das minhas canções trancadas no quarto? Das perseguições silenciosas em minha cama? Parou. Não gostei desses pensamentos, constrangedor.

 

Meu coração está tranqüilo. Não sei se é porque todo toque de sinos nos transmite certas vibrações, sol de meio dia, clima de sexta-feira. Alguma felicidade sem explicação. Eu me sinto feliz. Uma alegria que se tivesse algum nexo talvez não fosse tão grande. Será de mentirinha? O que me importa? Eu a sinto e a suplico permanência. Pego-me sorrindo pro nada pelo vidro peliculado do carro. Daria uma cena e tanto.

 

A verdade é que eu amo. Amo você, o céu azul, o trajeto das coisas, as minhas antigas frustrações, os frutos que plantei, as glórias que colhi, as guerras contra mim, contra todos, tudo, eu amo. Eu nunca pareci fazer tanto sentido. Não existem explicações, existe só o sentido certo do caminho que eu não sei onde vai dar. O tal do coração aquece tanto que eu tenho vontade de chorar, de ligar e dizer para as minhas pessoas especiais que elas são as minhas pessoas especiais.

 

Eu amo, cara. Do que tenho que reclamar? Amar dói pra caralho, magoa pra porra, me faz perder o que mais tenho medo: o tal do meu orgulho e o meu alto patamar imaginário. Quanta bobagem, necessidade de auto-afirmação. Mesmo assim eu tenho medo, fala sério, não quero sair de lesa pra ninguém. Amar é foda porque eu passo horas rezando pra que todas as pessoas que eu amo continuem vivas. E eu sempre me esqueço de um e acho que cometi uma injustiça. E rezo dobrado pro excluído para compensar. E mesmo assim eu tenho um medo da porra de ficar longe. Admito: sou dependente.

 

O tal do amor me transforma em piegas, cara, o sol ta mais azul que o normal. É porque amo. E eu vejo um passarinho em cima de um parapeito pichado e acho isso o máximo. Sou babacona mesmo. Dessas de cartinha, declarações em momentos inoportunos, surpresinhas. Faço um bando de coisa tosca. Besta pra caramba. Meio fantoche, complicado de dizer não. Mas prefiro dizer nada, fingir que não sou nada disso. É meu grande segredo.

 

Quer saber? Eu amo mesmo é ser assim.

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Por Anna Carla Ribeiro*

Ele tem o dom de passar a ponta o lápis na minha nuca esbranquiçada. Sempre percorre pouco menos de cinco centímetros, da esquerda para a direita. Passa por todos os fios do meu cabelo e depois volta pelo mesmo caminho, como quem faz caligrafia. Eu automaticamente paraliso. E me arrepio. E viro um gato domado. Mansa, mansa.
Vou começar do começo.
Foi a primeira vez que eu vi alguém de calça marrom fora do ensino médio. Ele se aproximou, disse que me amava com os olhos, e eu respondi com a sobrancelha direita levantada “Porque diabos tu tens uma calça marrom?”. Ele deve ter se achado bem interpretado, pois quase fez minha cintura perder dez centímetros com aquele abraço. Nenhuma palavra. Só o barulho dos estalos da minha coluna.
Durou pouco mais de dois minutos, tempo suficiente para tocar a saideira. Não pude ouvir. Minhas mãos o levaram para longe, meio metro, e meu rosto enrugado berrou incontrolavelmente.
_ Eu to cansada, sabia?! Você, sua calça marrom, chegam aqui do nada e acham o quê? Que vão conseguir algo mais do que beijinhos? Escute aqui, ô chocolate ambulante, não vou mais ser subestimada. Eu sou perita em práticas canalhas e ainda faço dependência em “Fuja dos Conquistadores Gratuitos”, sempre mais em conta do que os baratos.
Sorriu. Me mostrou toda a sua arcada dentária como se eu estivesse à procura de um canal. Tive vontade de depilar todos os pêlos do seu corpo com cera fria, incluindo aquele cabelo fininho e caído na testa. Foi quando ele tocou na minha franja. E eu virei estátua. Parei de pensar, de ouvir, de ter qualquer expressão. Minha sensibilidade se resumia aos leves toques do seu indicador, revezados com o polegar, da esquerda para a direita.
Foi aí que tudo se perdeu e se achou, simultaneamente. Achei a cura dos meus berros, das minhas dívidas, das minhas dúvidas. Que se dane o banco, o trânsito, a dor no peito, os conselheiros, as éticas, as experiências alheias e as minhas convivências frustradas. Que se foda os hinos, as cartomantes, as esmeraldas, os signos, os astros, a praia, a lua, os maias, incas e tupiniquins. Que se exploda até mesmo aquela calça marrom. Perdi a sanidade, a vontade própria, o controle. Vai, agora pode me levar. Para minha casa, para tua casa, para tua vida. Ou para marte, para o carro, para a padaria. Que diferença faz?
Ele me levou para casa, a minha. Sua pupila esquerda me contou que viajou recentemente para Budapeste e que estava à procura de novas melodias de blues. Nenhuma palavra. Minha pálpebra tentou, sem sucesso, me fazer ficar invisível. E ele ria. E eu tinha medo de chorar.
E entrou na minha vida como a bailarina entra no palco, tomando conta de todo o espetáculo. E me fez assistir de camarote a minha própria adestração. E mudou os meus assuntos, minhas pautas, meu jeito de andar pelas ruas. E não importa mais nem mesmo o inferno enquanto eu puder, no fim do dia, esquecer até mesmo de mim ao debruçar a minha cabeça nos seus joelhos. E então finalmente ele irá tocar levemente na minha nuca, da esquerda para a direita. E no final de cada show, eu levanto e bato palma.

* Texto publicado em janeiro de 2008

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Em greve

Por Anna Carla Ribeiro

 

 

Apagou o cigarro no copinho de café, como nunca foi de costume. Parou um pouco pra pensar em quantos acontecimentos em menos de um mês e meio. Tudo mudou: a rotina, a convivência e até mesmo os costumes refletidos numa bagana de Marlboro Light apagado num copinho de café, preto e com açúcar. Ela nunca foi de ingerir fumaça, gordura e cafeína com tanta freqüência. Ela nunca foi de muita coisa, aliás. Quem é essa daí, trabalhando que nem louca, tentando entender o que se passa diante das novas pessoas que apareceram em sua vida? Ela se olhou com calma, um pouco de ardor nos olhos. É o cansaço.

 

Gostou do que viu. Sentia-se tão estafada com aquela antiga menina de um mês e meio atrás que nem chegou a sentir saudade. Talvez do tempo livre. Só talvez. De uma cervejinha de vez em quando. É, isso sim. Mas não vem ao caso. Percebeu ter se tornado justamente o que havia projetado. E riu como se tivesse fazendo um auto-agradecimento. Agora é até difícil falar dela. Mudou tanto que nem sequer tem do que reclamar. Defeitos, dificuldades a superar? Tem vários, cada vez mais em ordem crescente. Não vem ao caso outra vez. Isso nunca vai acabar, ela sabe, ela gosta, ela quis assim. Essa péssima mania de odiar ver o mundo parar, desde criança, não é à toa que não consegue parar de roer as unhas.

 

Esticou as pernas, sentiu o bafo quente típico de domingo que aumentava ainda mais essa mistura de excitação pelo que ela não conhece e a pressão pelo mesmo motivo. Umas bostas. Tanto equilíbrio tirou dela a inspiração. Já não suportava mais seus antigos textos metidos a uma espécie de confusão pós-teen e nem sabia mais o que escrever. Reclamar do quê, dessa vez? Da alta tarifa da atual operadora de celular? Da rotina maluca que ela odiava e amava ao mesmo tempo? Do medo que ela sempre teve e que talvez nunca deixará de ter? Quanta chatice!

 

Cansou-se de reclamar, não consegue nem ouvir blasfêmias de outrem, coisa do seu ponto forte. Não tem mais paciência pro que não é preto no branco, pro que não é claro, visível e inteiramente entendido. Perdeu aquilo que mais queria ver florescer: sua capacidade imaginativa de criar problemas e situações registradas em cartas e em letras verdana no Word. Em compensação, largou caneta, teclado, cadeira, monitor e foi buscar a plenitude no que é de verdade.

 

Enquanto estiver em total equilíbrio com a realidade, estará em greve da sua tão bem sonhada fantasia.

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Por Anna Carla Ribeiro

 

1)- Palhaço que é palhaço curte tortada na cara. Isso mesmo, sufoque o engraçadinho com um suculento doce tamanho família, para não ter erro. O sabor? Limão. É importante que este procedimento seja feito durante o verão, mais precisamente a céu aberto, ao meio-dia. Além de uma morte bastante idiota, ninguém vai conseguir parar de rir no enterro do cara, ou melhor, da cara de palhaço que ele já tem naturalmente, só que agora com um leve toque de estampa de girafa.

 

2)- A opção número dois é de eficácia 100% comprovada. Primeiramente, certifique-se de que você, garotinha juvenil, é mais estabanada que um chipanzé com fome numa loja de cristais. Sempre reprovou na brincadeira do cuspe? É campeã em destruição de retrovisor? Você nasceu para matar, bonita! No circo tem palhaço, tem, tem todo o dia. E não existe circo sem lançamento de facas, correto? Pegue aquele figurino super tendência que você viu o rapaz usando no carnaval de Vigia, quando ele resolveu mostrar quem realmente é e virou o clone da Rogéria. Não esqueça da meia arrastão. Toda a sua vida valerá este momento ao ver ele gritar como um rosquinha. Atire as facas chupando laranja.

 

3)- Circo, palhaço, animais. Tudo a ver. Não falo do cara, falo dos leões. Assim como a primeira opção, você também deve se inspirar no verão para cometer este assassinato. Sabe aquela tanga de bolinhas que você viu no comércio?! E aquela viseira super transada que você comprou para a sua titia-avó Zuleide? Como você não tinha pensado nisso antes, Mariazinha? O palhaço mais este super conjunto seria o último grito em Paris! Certeza!  Mas como Paris é longe e você tem pressa, jogue o cara para desfilar na arena dos leões. Como toque regional, se inspire nos veranista de Outeiro e dê leves pinceladas de blondor camomila nos pêlos do cheio de graça. Saia de lá cantando “O verão é dos loiros, neném, neném…”.

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O próprio

Por Anna Carla Ribeiro

Ela já não o esperava. Fora abandonada como uma noiva no altar, logo por ele, sempre a deixando de saco cheio com as suas idas e vindas intermináveis. E por mais que tentasse, era difícil viver sem ele. Felicidade, alegria, esperança, sorte. Já percebeu que todas essas palavras são femininas? Mas sem ele, o outro lado, o lado que talvez pudesse dar vida (também feminina) a todas essas feminidades, era difícil, bem difícil.

Mas ele chegou novamente em sua casa com a velocidade de quem precisa matar as saudades. Estava mais magro, ou melhor, menos pesado. Não lembrava nem por relapso ser o grande destruidor de todo o seu chão. Agora ele abria as janelas e ao invés de estraçalhá-las, deixava o sol entrar. Ria do seu medo de aceitar tal mudança, de construir uma nova casa, dessa vez mais iluminada e com a base mais firme. Ela o convidou para entrar, mais por educação que por vontade, e ficou parada vendo a audácia daquele que de diversas formas sempre entrava em sua vida, em sua casa, com todo aquele jeito tão espontâneo que chegava a incomodar.

“Agora vai ser diferente”. Ela teve uma vontade enorme de dar uma gargalhada daquelas macabras quando ele disse isso. Ora, pere lá, meu bem! Foram anos e anos de fatos estúpidos, dores desnecessárias, mágoas que brotaram por nada e foram embora por tudo. Tudo por ele. E elas, as mágoas, continuavam ali, surgindo, crescendo, desnecessárias e capazes de realizar fatos estúpidos. Agora chega, ela precisa descansar, entende? Ele sorriu e fez menção de acender um cigarro, para ela. Ele não fuma.

Aos poucos ele foi mostrando que precisava aparecer em sua vida para ajudá-la a compartilhar a experiência daquelas coisas banais do dia-a-dia. Precisava de uma forcinha para arrumar aquela gaveta cheia de tralha, um ombro para encostar o seu pescoço cansado e até mesmo um trouxa para ouvir os seus berros de raiva. Ele precisava estar com ela o tempo todo, na hora que ela calçasse o seu salto alto vermelho, no vapor da panela que ela preparou para o jantar, no caminho interminável e quente do seu carro até a repartição.

Sem entender, ela o deixou ficar. No começo ficava ali, no canto da sala, meio desconfiada, meio sem graça, vendo ele colocar uma música nova e dançar como se fosse retardado. Ela não queria pensar, só rezava para que, sei lá, de repente, ele tomasse jeito e dessa vez não saísse destruindo cama, quarto, varanda. Se fosse para ir embora, que a deixasse assim como entrou: pela porta dos fundos e leve como uma pluma.

Passaram-se semanas e eles já trocavam palavras soltas, às vezes até piada. Aos poucos foram conversando sobre o tempo – o que passou e o que está por vir – e foram, juntos, se conhecendo. Conseguiram se definir. Ontem foram juntos ao quintal e enterraram todas aquelas tralhas feias e cheias de lamúria que ela insistia em deixar penduradas na estante. Ela não precisava mais daquilo. Era outra, agora mais forte, mais leve e até mais bronzeada pelo sol. Quando ela o encontrou, do jeito certo, na hora certa, conseguia sorrir até mesmo sem motivos. Quando ela o encontrou, o amor, o próprio amor, o amor-próprio.

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Por Anna Carla Ribeiro

(A autora pede desculpas pelos textos mela-cuecas do caralho. Nem ela anda aguentando tanto nhenhenhem. É fase, gente! Já, já vai passar!)

Eu tenho um gênio fraco, sabe? Sou daquele tipo de gente que consegue lidar com quase todo o tipo de gente, menos os insuportavelmente implicantes. Eu sou implicante. Na verdade, meu gênio é fraco-forte, deve ser. Eu sou de uma leveza tão plena que algumas pessoas perguntam se eu não devo tomar café. Mas implico e tenho a mania de gritar de raiva, e de ficar com raiva muitas vezes e tudo ficar preto, a mente fecha e aí já viu, eu me irrito fácil. E então eu me faço o primeiro questionamento de tantos: como uma pessoa que consegue lidar com tanto tipo de gente de uma forma tão saudável pode ser ao mesmo tempo uma bomba a explodir? Sei lá.

Também costumo oscilar do muito forte pro muito fraco. Pras pequenas coisas, eu sou fraquinha, fraquinha. Costumo me magoar com coisas banais, tenho o choro fácil. A tal da sensibilidade invade as palavras, as pessoas, as janelas, os ares ao meu redor. Tudo por mim de alguma forma é percebida. Um riso forçado, uma mentira pra me agradar, o ar distante de alguém que está perto. Eu sempre percebo os primeiros sinais de mudança, antes mesmo de ela acontecer. Percebo calada. E isso dói e me faz desfalecer aos poucos.

Quando penso que vou desabar, até chego a preparar o terreno, e então, como mágica, eu viro a mulher mais forte do mundo.
Eu esqueço. Tão velozmente que chega a me assustar e eu costumo me perguntar se foi milagre ou se essa é uma espécie de evolução. Eu amei por anos. Eu sofri por anos. Eu esqueci em uma semana. Será que eu amei mesmo? E então me sinto tão feliz que quero abraçar o mundo com os pés, e apago todas as facadas que já enfiaram no meu peito com a facilidade de uma borracha no lápis. Me dá uma vontade louca de sair correndo e gritar de felicidade, tomar banho de chuva, morrer de rir, morrer de amar. E eu abro o meu coração pra esse mundo que tanto me fez mal com a ingenuidade da garotinha que eu deixei de ser.

A mulher maravilha esquece que também é de Atenas, coitada, e que todo aquele estado de espírito de intensidade total também é sinal de falta de proteção. De tanto me jogar de cabeça já perdi as contas de quantas vezes quebrei a cara. E sei que eu ainda vou quebrar outras mil, pois quando tudo passar me acharei clone do incrível Hulk e nada, absolutamente nada irá me deter. É um ciclo sabe?! Às vezes muito fraca, às vezes muito forte. Eu acho, sei lá. Costumo impressionar pessoas. Estou entre elas. Algumas acham que eu expiro submissão, a encarnação recente da pobre coitada Maria do Bairro. Outras me enxergam impecavelmente cheia de si, quase uma espécie de Senhora do Destino. Será eu a centrada Maria do Carmo ou a sofrida do Bairro?

Ah, quer saber? Eu sou as duas. Ao mesmo tempo.

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O vício

Por Anna Carla Ribeiro

Olãããããã! Tudo bem?! Bom, gente, eu sei, eu sei. Não tá porra de merda nenhuma boa. Você continua com aquela pira no mindinho, aquele carro com a buzina quebrada e tendo que aturar aquela vizinha com hálito de estrume no elevador. Beleza, normal… Como já dizia Chico: “Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça. E a gente vai tomando e também sem a cachaça. Ninguém segura esse rojão”. É, eu também sei. Você levou a sério demais esse refrão e anda bebendo todo o seu salário. Afinal, o que te resta? Uma boa noite de sono com aquela maldita sensação de que falta alguma coisa? Algo se perdeu, e não foi o seu controle remoto. Se fosse, já seria o fim do mundo. Haja saco pra aturar o caos do mundo e ainda ter que levantar para assistir “Zorra Total”. O fim.

E então você pensa em todos os coitadinhos do mundo. Os desabrigados do Maranhão, os indonésios fugindo do vulcão, os pedófilos em potencial soltos por Roraima, enfim, uma desordem total. E fica pensando na pacata da sua vida. Sem problemas, pelo menos não desta magnitude. Seu acordar as oito da matina, seu café com leite e açúcar, a sua ida tranqüila ao trabalho, o seu despertador estomacal que grita de fome quando dá meio dia, os seus livros, a sua ginástica. Uma puta de uma vida tediosa. Chata pra caralho. E então você pede confusão, você precisa de ventos fortes que despenteiem todo aquele seu habitual cabelinho liso e sem graça.

E o destino, legal pra caralho esse bicho, te trás logo uma avalanche. Isso, acabou com o seu projeto de vida, exatamente como foi pedido. E você gosta. Fica até animado pelas sensações estranhas no estômago, pela expectativa, a novidade, a espera da bomba estourar. E ela estoura e destrói com tudo. Tudo de bom e de ruim. E o que te sobra? Uma vida pacata, que com o tempo volta a ser tediosa e necessita de mais paciência ainda, pra reconstruir aquela sua vidinha insossa de antes.

Você sabe que está exagerando. Você sempre faz isso, é mania, nasceu pra Hollywood, para a dramatização. Sua mãe te diz isso desde que você descobriu que ela é a sua mãe, todos os seus namorados também disseram. Mas a opinião deles não vale, eles sempre quiseram minimizar as merdas que faziam enquanto você maximizava até demais. Então você pensa, pensa, pensa. “Porque diabos eu sou assim?”. Será que a sua mãe comeu muita coxinha na gravidez e a sua retenção de sal é maior do que toda a população brasileira e por isso é tão difícil fazer da sua vida uma água com açúcar?

Não dá pra entender. Tem gente que tem seus vinte e poucos anos, nunca fez questão de ter um relacionamento sério e nunca se apaixonou. Não se sente sozinho nem se estivesse perdido na ilha de Lost. E aquela galera do “Pega mas não se apega”? Como assim não se apega, minha gente?! Já imaginou passar a vida só pegando? Sem nunca sentir ânsias de vômito ou quebrar a cama de pulos felizes só porque ele te mandou a mensagem: “Oi. Tenha um bom dia”? Será você sensível demais ao mundo ou até os golfinhos estão virando assassinos?

Viciada. Isso mesmo. Você é viciada. Não em drogas, talvez em cerveja, mas a sua compulsão mesmo é por paixão. Talvez amor, mas nunca é amor. É falta de amor próprio, é carência, é dependência, é egoísmo, é amizade, é desejo, é falta do que fazer, é paixão, é um bando de parafernalhas que tinham uma puta cara de amor. Você jurava que era, botava a mão no fogo e já virou carvão. E você então decide ir em busca desse tal de amor. É vício, a abstinência te leva à loucura e então você parte em busca dele em qualquer lugar. Nos olhos do loirinho frio, no sorriso do altão safado, na pegação do final da festa. Você sabe que não é amor, mas aposta todas as suas fichas que, quem sabe? Pode virar.

Mas não vira. Então você se atropela, perde metade dos seus cabelos, envelhece uns 37 anos, faz greve de depilação e economiza todas as cifras destinadas às lingeries. Diz que se curou da doença, que quer viver sozinha para sempre, ter uma casa com a bandeira do Payssandu de fachada e um cachorro chamado “Trovão”. Tudo papo furado. Não existe ex-gay, ex-frangueiro, ex-namorado amigão e, principalmente, ex-viciado em amor.

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Por Anna Carla Ribeiro

* Dia 23 de julho de 2005, veraneio paraense. Belém do Pario, como todo e qualquer final de semana deste mês, é o mais perfeito cenário de uma cidade fantasma.

Domingo. Sempre tive uma raiva abundante do primeiro dia da semana! Que pra mim, aliás, é o último. Duvido que mais de 15% da população brasileira iniciem a semana domingo! E este é o motivo pelo qual as dietas, os trabalhos, e os demais afazeres quase sempre começam na segunda-feira. Desde criança domingo era sinônimo de calor e tédio. Era um dia em que não se podia fazer grandes estripulias pelo simples fato de que na segunda-feira a rotina voltaria ao normal. Tínhamos que passar a véspera sofrendo antecipadamente a chegada dos nossos compromissos. Pra completar, tive um inimigo no colégio com o sobrenome “Domingues”. O cara conseguia me irritar tanto quando aqueles dias repugnantes! O que futuramente resultou em um certo avesso aos derivamos: “Domingos”, “Domiguete” e assim vai…

De lá para cá, as coisas mudaram. A ressaca deixou os domingos da minha vida mais quentes e tediosos do que nunca! É o dia em que é preciso parar de pintar o sete na intensa boêmia belenense para se encher de engov e água de coco. Apesar dos pesares, deixei de odiar os domingos da minha vida e passei a enxergá-los como uma terça-feira, por exemplo: aquele dia que não fede e nem cheira; não vai, nem racha; não fode e nem sai de cima. Seria injusto continuar odiando os domingos. A vida me proporcionou alguns maravilhosos, que até pareciam sextas-feiras e sábados!

Pois bem, voltemos então ao contexto: calor, cidade deserta, domingo. Tudo para ser um dia monótono, sem graça. Onze da manhã, finalmente levantei da cama. Já tinha acordado umas quatro vezes, mas me deixei curtir um pouco mais a brisa no rosto e o macio do lençol enroscando meus pés.

Talvez tenha surgido daí a idéia de fazer um dia diferente.

Sozinha em casa, ou melhor, sozinha na cidade, era melhor arranjar uma companhia que nos últimos dias era ausente: a minha. Comecei a agradar-me pelos ouvidos: som no último volume, só as melhores músicas. Os vizinhos?! Ah, decidi ter um dia para pensar só em mim! Com certeza os poucos gatos pingados que se encontravam no meu prédio não reclamariam de um pouco de vozerio no meio de tanto silêncio.

Quando me vi, já estava cantando e dançando na frente do espelho. Fazia caras e bocas, inventava passos, imaginava situações para contracenar o momento. Ria das minhas próprias besteiras, falava sozinha, pulei na cama feito criança, gargalhei. O coração ficou enorme, a felicidade reinou. Não precisei de absolutamente nada além do que eu já tinha para me sentir verdadeiramente feliz.

Fui para o chuveiro, peguei todos os cremes, condicionadores e outros cosméticos da minha mãe. Os Beatles me faziam viajar por décadas nunca vividas, e me pegava berrando “yeah, yeah, yeah” no banheiro. O “banho de beleza” improvisado mexeu com meu ego, me senti poderosa. É impressionante como toda mulher esquece as crateras na bunda e as rodas de caminhão na barriga quando faz esse tipo de coisa!

Já eram quase 13h quando resolvi almoçar. Ah, a comida também tinha que ser diferente! Danem-se as calorias e as poucas posses que eu tenho até o final deste mês! Eu ia comer o que eu desejasse, e assim foi feito! Pedi uma boa macarronada por telefone, saboreei cada pedaço.

Depois resolvi sentar-me aqui, em frente a esse computador, para contar a mim mesma essa experiência. Foi inevitável refletir sobre alguns erros cometidos. Havia meses que eu sacrificava o meu presente para focalizar-me num futuro perfeito. Havia tempos em que eu procurava a felicidade longe de mim.

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Depois dos vinte

Por Anna Carla Ribeiro

* Texto inspirado na crônica “Vinte e poucas coisas sobre os vinte e poucos anos”, de Sofia Brunetta.

É, pela Constituição Federal, você já é adulto. Mais isso não significa que deixe de gostar dos desenhos da Disney, de bolas de gude, de pular em cima da cama quando está animado (mesmo que isso te traga um certo prejuízo, afinal de contas, são 34kgs a mais), de querer brincar de cuspe à distância depois de um esporro do chefe, e muito menos deixe de ter atitudes mesquinhas, mimadas, descontroladas e irracionais.

Depois dos vinte, você já pode percorrer mais precisamente os seus sonhos, mesmo que eles se modifiquem a cada dois meses, pois já entende que saindo de algum lugar sempre se chega a alguma parte.

Depois dos vinte, você já se apaixonou inúmeras vezes, e sabe que não interessa quantos anos você possa vir a ter, sempre que estiver nesse estado, voltará a ser mais burro do que quando estava no maternal. Também ainda não entende direito o amor, mas acaba percebendo que mesmo aos cento e dez, será complicado defini-lo.

Depois dos vinte as suas nádegas já sentiram o asfalto quente e todo o seu sangue resolveu visitar as bochechas, quando por ventura a lei da gravidade resolveu entrar em ação conjunta com a casca de banana. Já engoliu criações de búfalos ao invés de sapos, já sentiu o coração querer ficar anão numa despedida, já virou melhor amiga de Murphy, já entrou em mais encrencas do que a Maria do Bairro, já colecionou mais “nãos” do que a sua lista de namorados. Também já provou a amargura de uma desilusão amorosa, da falência de um projeto que te custou inúmeras caixas de Tylenol e de um feijão azedado.

Depois dos vinte, você sabe que existem pessoas que deveriam ser indicadas ao Oscar pela brilhante atuação que fazem na vida real, sabe que seus pais são tão humanos quanto você. Sabe que o governo, os Estados Unidos, os outdoors, as suas amigas, as andorinhas, as mensagens subliminares e a mídia te manipulam e te influenciam (e, talvez, você só tenha começado a fumar porque viu a Mel Lisboa acabar trinta e sete carteiras de Carlton na ultima minissérie).

Depois dos vinte, você descobre que afogar os problemas na cachaça não valerá a pena, mas sabe que tomar uns porres de vez em quando ajuda a relaxar. Também descobre que chorar pela pinga derramada não resolverá nada, mas tem horas que é necessário. Descobre que amigos valem mais do que todas as cifras dos Bancos Suíços, mas que viver sem um boró no bolso é uma verdadeira porcaria.

Depois dos vinte, você já visitou paisagens incríveis, arquiteturas surreais, o Rio de Janeiro, raves, pagodes, pubs, botecos e bilhares cheirando a Ypioca. Mas ainda é pouco, pois você já aprendeu que desvendar o novo é, no mínimo, interessante.

Depois dos vinte, você já fez teatro, ballet, sapateado, flauta, fotografia, tae kwon do, musculação, yoga, kumon e dança do ventre. E mês que vem quer se matricular no pilates. Também já é uma boa enciclopédia: sabe falar de Chico Buarque, da Guerra da Bósnia, da era do rádio, de psicologia infantil e já é pós-doutourada em acne, metabolismo, dietas e hormônios.

Depois dos vinte, você entende que existem pessoas que a beleza supre o espírito, e que tem outras que o espírito supre a beleza. Também entende que não importa se a sua melhor amiga for sem pescoço e possuir meio metro de nariz: você sempre a achará incrivelmente bela.

Depois dos vinte você já se achou, se perdeu, se achou novamente e descobriu que ainda se perderá outras mil vezes, porque a cada ano que passa, mais em mutação estará o seu espírito. Ainda não entende muito bem esse tal de destino, mas até que acha ele boa gente. Desconfia das cartomantes, mas já foi em uma que acertou tudinho.

Mas talvez, a maior descoberta de todas, é quanto à felicidade. Depois dos vinte, já sabemos que não precisamos procurá-la, se a mantivermos em nós mesmos. E mesmo sabendo disso, ainda assim passaremos por situações em que perderemos o chão e todas as paredes. A vida é assim mesmo, passamos anos construindo, tijolo por tijolo, a nossa construção. Aí vem uma ventaria e destrói tudo. Então pegamos novos tijolos e voltamos a levantar nosso terreno, dessa vez com mais proteção.

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Melhor ir dormir

Por Anna Carla Ribeiro

Ah, a sexta-feira. O dia em que nós, seguidores do tribalhismo e procedentes do malandro equilibrista brindamos a origem da vida, divulgamos o novo corte de cabelo e, de queda, gargalhamos pelas cifras perdidas entre grades e latas de cerveja quente. Ultimamente tenho acordado deslumbrada nas sextas-feiras. É o dia em que eu bato no peito e brindo à minha liberdade e às piadas dos meus amigos. Afinal de contas, perdi muitos “dias sagrados” da minha vida encolhida em um sofá de meio metro comendo pizza de caixa.

Para a minha sorte, as circunstâncias me tiraram deste sofrimento e nunca mais me fizeram ficar sem graça ao ouvir os comentários sobre a noite anterior – sempre a melhor de todo o espaço sideral – em sábados de almoços com as amigas. Já parou pra perceber que justamente na época em que finalmente você consegue virar um ser caseiro (leia-se na coleira), todas as suas amigas estão desbravando o mundo, conquistando nações e se divertindo trinta vezes ao cubo por segundo? É o Murphy, meu bem. Mas depois eu falo nele.

Sextas-feiras são assim. Sempre cercadas das melhores maquilagens, roupas, olhares, lugares pra sair. É o dia em que finalmente conseguimos mandar dar cu o chefe, o cheque e aquela vizinha clone do Franquito Lopes, que sempre consegue te tirar do sério no infinito caminho da porta da sua casa até o carro. É aquela sensação maravilhosa de se estar aproveitando tudo ao máximo, é sentir a jovialidade em cada sopro de brisa. É o meu dia. E do Zeca, do Zé e do seu Oswaldo trabalhar, coitado. Deve ser foda ser garçom.

Tudo é alegoria. Alegria, alegria. Com direito a mentiras sinceras e Chiquinho gritando “Eu vivo bem sem amar a ninguém”. E viva o ôba-ôba! Sandálias eletrizantes, hormônios à flor da pele e tímpanos poluídos.

Maravilha.

Hoje é sexta-feira. Atípico dos últimos meses. As coisas mudaram, eu mudei. Fui do céu ao inferno em milésimos de segundos e agora pareço estar nos dois lugares ao mesmo tempo. Na esquina da fossa com a mocidade. Cansada e sozinha em casa. Pensei em ligar pra alguma amiga me fazer companhia. Seria uma distração. Penso, penso, penso. Desisto da idéia egoísta de estragar a sexta-feira de algum ser amável e solidário. Já basta a minha. Tento ler e acabo assistindo Homem Pássaro comendo palmito. E assim, como que de relance, me aparecem as Spice Girls sussurrando ao pé do meu ouvido: “Easy lovers, I need a friend…”.

De repente, me deu uma saudade de me retorcer novamente naquela cama de anão. Leve vontade de ter alguém disposto a dividir um saco de pão de queijo de supermercado e conversar sobre astros, geografia, ginástica e a guerra da Bósnia. Me lembrei de como é legal ter um colo e uma companhia para dividir os sonhos, alguns perdidos, outros realizados.

O ruim da boemia é a superficialidade. É estranho ter enjoado tão cedo dela. Claro que amanhã mudarei de idéia. Ah, melhor eu ir dormir.

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