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Archive for maio \30\+00:00 2008

Bárbara

Pela convidada Becky Braga
* Para ler ouvindo Bárbaro Soneto, de Patrícia Bastos.

Ela parou e procurou por uma mesa vazia. Sentou numa que ficava de costas para porta. Não queria ver quando ele chegasse.O garçom veio até ela e entregou-lhe o cardápio. Ela recusou e pediu uma vodca com gelo e tônica.

Acendeu um cigarro. Usava o isqueiro que ele havia dado a ela há alguns dias. Estava ansiosa e pensou que devia ter aceitado quando ele ofereceu carona. Estava detestando ter chegado primeiro e precisar esperar.

O garçom a serviu e ela deu um gole longo. Sentiu o estômago arder. Não era muito de beber.

Sentiu uma mão tocar-lhe o ombro. Fechou os olhos por uns segundos breves, arrepiava-se só de senti-lo por perto.

Ele sentou-se à sua frente e olhou-a com ternura. Tocou-lhe levemente o rosto e num gesto delicado tirou-lhe o cabelo do rosto.

Deram-se as mãos e ficaram a acariciar-se. Falaram sobre como tinha sido o dia, contas de banco, problemas com o computador e outras coisas sem muita importância.

Ele olhou pra ela por um longo tempo sem falar nada, quase violando sua curiosidade com os olhos ávidos, olhos que quase queriam falar.

“Eu senti a sua falta”, disse enfim baixando os olhos.

Foi a primeira vez que ela se sentiu calma desde o momento que chegou. Pediram mais bebida e alguma coisa pra comer. Mas sabiam que não estavam ali pra isso. Tudo fazia parte do ritual de tentar iniciar a derradeira conversa.

A conversa sobre aquela relação mal resolvida que não acabava, que não deixava que ela se permitisse viver outras coisas mesmo quando ele tinha uma relação sólida e ela era a outra.

-Eu não posso continuar te vendo. Eu não possso ser desonesto com ela, nem com você. Eu a amo e não vou deixá-la. Você é tudo que eu sempre quis mas é como se tivesse chegado na hora errada. Eu não posso mais, não posso te ver assim… Não posso. Eu não vou te procurar nem quero que me procures.

Ela contempla os olhos úmidos dele com alguma serenidade, sente as mãos frias, trêmulas. Enxuga sua única lágrima e levanta com calma. Ele até tenta impedir mas ela repele.

Chega perto dele, abaixa-se e beija-lhe ternamente o rosto. Ele cerra os olhos, sente o cheiro dela.

Dissimuladamente ela passa a mão no garfo em cima da mesa e crava-lhe na mão esquerda.

O grito dele é mudo e seco.

Sai andando com calma, as pessoas ao redor estão assustadas com a cena. A mão sangra muito. Ela carrega um ar de satisfação.

Ele levanta, agarra-a pelo braço, beija-lhe a boca, a mão que sangra no sexo dela. Um beijo sôfrego, ela agarrada aos cabelos escuros dele, respirando difícil, o choro na garganta.

Sai de lá com as marcas de sangue na saia e ele, aturdido, senta incrédulo. Chora de dor. Mas o que dói, ele sabe, não é a mão.

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Ela andava afoita pelo futuro. O presente não oferecia novidades, não a estimulava, nem com todas as mudanças dos últimos tempos: mudou do Sul para o Norte, mudou de faculdade, mudou o número do celular e naquele ímpeto de quem quer dar grandes reviravoltas, disse a si mesma que mudaria mais um pouco. Começou uma dieta, deixou o namorado e se jogou na vida bandida, decidiu a felicidade.

Mas aquela vontade de saber mais sobre o futuro a corroia. Porque era presa de alma. Não conseguia dar um passo a frente sem perguntar a dez mil pessoas antes o que deveria fazer e era inexoravelmente maniqueísta. Traçava seu plano maior se baseando no que os outros pensavam e no que era “certo”. E pelo andar da carruagem – porque naquela cabecinha de merda ainda existiam contos de fada com princesas da Disney, carruagens que chegavam à meia noite e amor eterno – tudo daria certo enquanto ela focasse seu viver na pseudo-certeza dos padrões pré-fabricados por outras pessoas.

Foi aí que decidiu cair no conto do vigário. Para saber algo (leia-se mentira ou sinônimos) sobre o futuro, pagava qualquer coisa. Foi num cara que jogava búzios e pagou R$50. E claro, de nada adiantou. Ela logo percebeu que uma criança de quatro anos de idade faria aquela leitura: quando os búzios caiam com a cavidade para cima, era “sim”. Quando era o inverso, a resposta era “não”. Ou seja, porra nenhuma sobre nada da merda de futuro que a aguardava. Depois de uma espera de horas a fio, saber que tudo que o cara mais fodasso no ramo da vidência em búzios conseguia ler sobre a sua vida era aquilo, deu mais raiva ainda.

Aí num impulso de extrema “inteligência”, daquelas inteligências de macaco amestrado para freak show, foi que chegou a Tia Maroca. Ah, que mal faria ir a ela? É apenas uma vidente-benzedeira. Nada demais por apenas R$25 a mais. Agora ia dar tudo certo.

Pensou várias vezes em ir embora, mas como esperar que alguém extremamente desesperado por saber se seu futuro será composto por uma grande paixão, um emprego multimilionário juntamente com um príncipe encantado que chegue num cavalo branco, seja sensato? Não há como.

Por isso, continuou remoendo seus sonhos impossíveis de hight society e esperou. Meia hora, uma hora inteira, uma hora e meia, duas horas … e finalmente, o fim da espera chegou depois de duas horas e meia de espera. Não tendo aproveitado nada de sua experiência anterior com o cara dos búzios, acreditou que aquela espera toda era um sinal de que a tal da Maroca era fogo na roupa, acertava tudo sobre tudo. Sentiu-se aliviada e pensou: “ – Agora vai.”

E foi. Só não sabia exatamente o que tinha sido. Ficou em dúvida se aquilo era piada ou pegadinha. Ela lavou a cara na pinga assim como a senhora carinhosamente ordenava – enquanto a chamava de “fia”. É tão mais aconchegante quando numa situação difícil, as mulheres deixam aflorar seu espírito maternal, não é mesmo?! – e ficou parada, tensa, enquanto a Tia Maroca baforava com vontade na sua cara e ao seu redor uma fétida fumaça de charuto de septuagésima categoria. A garota só pensava que logo, logo acabaria e brevemente aquela humilhação toda se pagaria. Ela saberia até quantos milhões teria na sua conta bancária conjunta com seu marido velho e multimilionário. Foi quando ouviu:

– Pronto, “fia”. Pode ir.
– Ir para onde?
– Ir… pode ir. Você já tá benzida e protegida, “fia”. São “vinte e cinco real” pra benzer, certo?
– Certo…

E para quem gostava sempre do certo, teve o que merecia. Pagou a grana e saiu de lá atrasada para a faculdade. No caminho, duas motos a perseguem e depois desse sarro que os orixás e oxalás tiraram com ela – ou ela mesma tirou consigo indo atrás do que vem a nós por seus próprios meios -, pensou que só podia ser assalto. Pisou fundo no acelerador e foi embora, furando o sinal que estava tão ou menos vermelho que sua cara de ódio da vidência e de si mesma.

Ela só não contava com que as motos fossem dois guardinhas de trânsito que a pediam para parar o carro. Foi nesse momento de “grande percepção” que resolveu fazer o que os ditos cujos pediam e pensou em rezar para alguém que inspirasse maior confiança do que búzios ou cachaça , mas não teve coragem.

Seria demais pedir a Nossa Senhora ou para alguma santa que a protegesse enquanto ainda estava impregnada com aquele odor de terreiro de macumba. Mesmo assim rezou: pediu com bastante veemência e resignação que, de alguma forma, os guardas de trânsito tivessem problemas de olfato e não sentissem a extravagante essência de caninha barata. Funcionou e bem melhor que seus neurônios, pelo jeito.

A partir daí, ela nunca mais procurou saber o que vai ter para o jantar ainda na hora do almoço. Decidiu pintar seu cabelo de outra cor e o cortou, temendo algum dia na vida ser reconhecida por qualquer pessoa que a tivesse encontrado no dia das tais missões adivinhatórias. Jogou fora as roupas que usou no fatídico dia e comprou um banho de ervas o qual disseram que é ótimo para tirar urucubaca de olho gordo. Como se pode ver, a menina operou grandessíssimas mudanças em sua vida.

Só não muda uma coisa: todo final de tarde, a bela garotinha de mais de vinte anos de idade se senta à janela na esperança de que apareça uma fada madrinha e a leve para fazer compras no shopping center mais “bombado” da cidade. Assim ela poderá jogar suas tranças e esperar seu príncipe encantado de idade avançada e um dote bem dotado resgata-la do caritó.

Ela senta à janela e espera… e continua esperando… pelo futuro.

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Cinzas (1894), Edvard Munch. (Expressionismo)
Cinzas (1894). Edvard Munch (Expressionismo)

Por Moara Brasil

“Ai, que saudade, simplesmente saudade, de amores puros. Eu não quero e nunca quis amores bandidos para sempre”, e quem quer? Nem mesmo aquele puto que te liga todas as noites, só para querer esse teu corpo, nem ele quer esse amor bandido, mesmo que seja contraditório em suas atitudes, mas no fundo, bem ali no fundo, sonha por um amor que não seja imundo. Podem até dizer que o Mal do século é a solidão, que isso? Podem até dizer que é uma fase de curtição, que isso? Cansa! Ei, tem alguém aí? Tu realmente gostas disso?

Atire a primeira pedra quem nunca sonhou com aquele amor conquistado só no olhar, nos arrepios só de tocar na pele. Pêlos atiçados com beijos leves em todo o corpo.

Ah! Nem mesmo aquele bando, que parece ser tão livre, tão “nem aí” para tudo, tão cheios de parceiros, tão amor moderninho. Mas é aí que eles se perdem e se encontram, nessa vontade louca de ter um amor puro, quando a solidão bate na porta aos domingos. Nem vem! Bate sim! Ainda mais quando chove e a rua fica sossegada, batendo um silêncio aterrorizante. De doer nos tímpanos. E o que tu fazes? Pega o celular, ou liga aquele tal de MSN, para conversar ou sair com os amigos. Solidão, baby.

Ah! Que isso? Beija-te numa noite e no dia seguinte beija outra. E na maior cara lavada, volta para a primeira sem pedir licença. É legal, é divertido, é bom para curar paixões abandonadas por aí. Mas são boas essas curtições eternas enquanto “duro”, afinal, cansa. E deixam as pessoas loucas e frustradas, com olheiras e ainda pisoteadas, abandonando potenciais amores numa gaveta cheia de teias e dores.

Quem numa noite nunca beijou uma boca e quis outra e mais outra? Normal, é natural, é legal, é demasiado humano. Mas é legal parando por ali. Depois tu te escondes no banheiro, e grita “Quero uma merda de amor para mim!”. Com a maior cara de choro.

Tu vais querer os corpos mais lindos, para colecionar naquele álbum, e contar para todas as tuas amigas e amigos as tuas rápidas conquistas. Vais te apaixonar e vais querer justamente aquele que não quer nada contigo, é certeiro, é isso. Vais chorar aqui no meu ombro, e suspirar “eu só quero alguém que me entenda”. É isso, amor puro, baby.

Ah, quem nunca desejou uma companheira querendo a amiga dela e transar com aquela gostosa ali? Normal. Natural. É demasiado humano, mas tu te cansas por ali. Porque é necessidade, é sexo, é suprir desejos do momento, é que nem comprar uma mercadoria que tu usas, abusas e depois fica velho, joga fora. Porque só serviu para isso. Apenas use e abuse, baby. Faz bem para a pele, mas a pele envelhece um dia, baby.

Amor é um livro, já dizia Rita Lee. Mas não esse amor bandido… é o amor, puro, amor. Aquele que a gente compra, não pela capa, mas pelo conteúdo. E se entrega para ele numa fantasia em realidades. Esperando as novidades do próximo capítulo.

Atire a primeira pedra quem não quer um amor assim? Não precisa casar, não precisa ainda ter filhos, precisa apenas sonhar, compartilhar pizza e refrigerante no sofá da sala, ou passear naquele lugar tão desejado pelos companheiros. Ah! Chega de amor bandido, baby! Até a puta um dia cansa, e sempre tem o cliente preferido.

Inspirada numa conversa com a querida Vivi.

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Depois dos vinte

Por Anna Carla Ribeiro

* Texto inspirado na crônica “Vinte e poucas coisas sobre os vinte e poucos anos”, de Sofia Brunetta.

É, pela Constituição Federal, você já é adulto. Mais isso não significa que deixe de gostar dos desenhos da Disney, de bolas de gude, de pular em cima da cama quando está animado (mesmo que isso te traga um certo prejuízo, afinal de contas, são 34kgs a mais), de querer brincar de cuspe à distância depois de um esporro do chefe, e muito menos deixe de ter atitudes mesquinhas, mimadas, descontroladas e irracionais.

Depois dos vinte, você já pode percorrer mais precisamente os seus sonhos, mesmo que eles se modifiquem a cada dois meses, pois já entende que saindo de algum lugar sempre se chega a alguma parte.

Depois dos vinte, você já se apaixonou inúmeras vezes, e sabe que não interessa quantos anos você possa vir a ter, sempre que estiver nesse estado, voltará a ser mais burro do que quando estava no maternal. Também ainda não entende direito o amor, mas acaba percebendo que mesmo aos cento e dez, será complicado defini-lo.

Depois dos vinte as suas nádegas já sentiram o asfalto quente e todo o seu sangue resolveu visitar as bochechas, quando por ventura a lei da gravidade resolveu entrar em ação conjunta com a casca de banana. Já engoliu criações de búfalos ao invés de sapos, já sentiu o coração querer ficar anão numa despedida, já virou melhor amiga de Murphy, já entrou em mais encrencas do que a Maria do Bairro, já colecionou mais “nãos” do que a sua lista de namorados. Também já provou a amargura de uma desilusão amorosa, da falência de um projeto que te custou inúmeras caixas de Tylenol e de um feijão azedado.

Depois dos vinte, você sabe que existem pessoas que deveriam ser indicadas ao Oscar pela brilhante atuação que fazem na vida real, sabe que seus pais são tão humanos quanto você. Sabe que o governo, os Estados Unidos, os outdoors, as suas amigas, as andorinhas, as mensagens subliminares e a mídia te manipulam e te influenciam (e, talvez, você só tenha começado a fumar porque viu a Mel Lisboa acabar trinta e sete carteiras de Carlton na ultima minissérie).

Depois dos vinte, você descobre que afogar os problemas na cachaça não valerá a pena, mas sabe que tomar uns porres de vez em quando ajuda a relaxar. Também descobre que chorar pela pinga derramada não resolverá nada, mas tem horas que é necessário. Descobre que amigos valem mais do que todas as cifras dos Bancos Suíços, mas que viver sem um boró no bolso é uma verdadeira porcaria.

Depois dos vinte, você já visitou paisagens incríveis, arquiteturas surreais, o Rio de Janeiro, raves, pagodes, pubs, botecos e bilhares cheirando a Ypioca. Mas ainda é pouco, pois você já aprendeu que desvendar o novo é, no mínimo, interessante.

Depois dos vinte, você já fez teatro, ballet, sapateado, flauta, fotografia, tae kwon do, musculação, yoga, kumon e dança do ventre. E mês que vem quer se matricular no pilates. Também já é uma boa enciclopédia: sabe falar de Chico Buarque, da Guerra da Bósnia, da era do rádio, de psicologia infantil e já é pós-doutourada em acne, metabolismo, dietas e hormônios.

Depois dos vinte, você entende que existem pessoas que a beleza supre o espírito, e que tem outras que o espírito supre a beleza. Também entende que não importa se a sua melhor amiga for sem pescoço e possuir meio metro de nariz: você sempre a achará incrivelmente bela.

Depois dos vinte você já se achou, se perdeu, se achou novamente e descobriu que ainda se perderá outras mil vezes, porque a cada ano que passa, mais em mutação estará o seu espírito. Ainda não entende muito bem esse tal de destino, mas até que acha ele boa gente. Desconfia das cartomantes, mas já foi em uma que acertou tudinho.

Mas talvez, a maior descoberta de todas, é quanto à felicidade. Depois dos vinte, já sabemos que não precisamos procurá-la, se a mantivermos em nós mesmos. E mesmo sabendo disso, ainda assim passaremos por situações em que perderemos o chão e todas as paredes. A vida é assim mesmo, passamos anos construindo, tijolo por tijolo, a nossa construção. Aí vem uma ventaria e destrói tudo. Então pegamos novos tijolos e voltamos a levantar nosso terreno, dessa vez com mais proteção.

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Por Moara Brasil
Dedicado ao querido David C.

Charpentier acordou belo ao meu lado, com toda a beleza francesa que uma mulher deseja de um homem. Aquele cabelo tipo moicano, porém, meio diferente desses moicanos que enxergamos por aí, um moicano francês, num rapaz branquelo, de 28 anos. Charpentier acordou e me fez sorrir, mesmo com aquela cueca boxer verde e amarela, que eu até achei bonitinha, coisa de gringo, sabe.

Não sei, acho que era a bunda, uma graça. Ou era o cabelo mesmo? Ou por ele ser formado pela Escola de Belas Artes de Paris? Um artista completo e bom de cama, eles sempre têm uma coisa a mais. Gringo, cérebro e charme. Nossa! Eu admirava cada parte do corpo dele, como uma adolescente apaixonada. E eu tinha acabado de sair de uma relação desgastante, Charpentier apareceu em boa hora, como um anjo, que por ser piegas, caiu do céu. E não deixou eu sofrer mais que uma semana pelo outro, até consegui esquecer aquele meus outros dias tristes.

Pensei, ao acordar do lado daquele homem, que seria o último dia em que nos veríamos, o ultimo dia do nosso mês extremamente intenso e apimentado. Nessa hora, contive minha vontade demente de chorar, guardei de baixo da almofada… Eu não precisaria chorar por causa disso. Sou forte, ora. Tive a idéia de seqüestrá-lo eternamente para a minha vida, pois nunca tinha vivido algo tão recíproco e verdadeiro. E nem falávamos a mesma língua, ele se esforçava num portunhol, e eu num portuglês. Juntando tudo em gestos e mímicas. Charpentier amava até o meu jeito desastrado, de colocar a calcinha do avesso. “Você, menina boba, você”.

Planejei. E se eu prendesse-o na cama com as cordas da minha rede? Ele perderia aquele vôo para Macapá- Cayena, e de Cayena-Paris. Bem, eu sei que isso o faria ficar um pouco puto comigo. Mas pelo menos teria mais uns dias ao lado do francês, porém, eu já havia adiado bastante a viagem dele anteriormente, e não havia como adiar mais. Ele já tinha adiado, só para ficar comigo, mais uns dias para quem ia ficar só um mês.

Conheci o Charpentier numa festa, num trapiche da cidade. Naquele dia não queria sair do meu quarto, mas minhas amigas insistiram. Falaram que eu não deveria me entregar àquela paixão fracassada. Mas logo show de reggae? Vocês sabem que eu já não gosto muito de reggae, e ainda mais quando estou assim, triste. Parecia que eu ia morrer de tanta desilusão amorosa. Mordi a língua, e hoje até sou devota do reggae.

Só que eu fui, e conheci o francês. Naquele mesmo dia ele foi para a minha casa e lá se hospedou um mês e mais uns dias. Minha família o amou, meus irmãos mais ainda. Meus amigos, também. Ele era o verdadeiro homem que faltava para a minha vida, um relacionamento definitivamente saudável, mas Charpentier já ia embora, em breve, eu sabia. E procurava não lembrar muito disso.

Acordamos um do lado do outro, nos olhamos, sorrimos. Aquele último sorriso, um sorriso feliz demais por um encontro de almas gêmeas, nesse fim de mundo maravilhoso, que é Belém. Levantei, como uma mulher forte, e cantei: “Você me faz ter medo da minha condição, você me trás segredos, e eu não te entendo mais”, Mombojó foi trilha sonora. Tomei meu banho, e voltei ao quarto, ele estava colocando as milhões de redes que havia comprado na feira do Ver-o-peso, numa mochila enorme. Ri um pouco do momento, isso era engraçado, para que tantas redes? Poderia não significar nada para mim, mas era só o que ele estava levando de lembranças daqui. E ainda comprou uma rede que faltava, uma azul e branca ( bem Papão) que ele tanto queria, arrumamos as trouxas, e fomos com o meu irmão no ver-o-peso. Achamos a tal rede, e seguimos ao aeroporto.

Eu estava no banco de trás, e ele na frente, pediu desculpas ao meu irmão e pulou para o meu lado. Os últimos momentos de abraços, de brincadeiras, de milhões de beijos em todo o rosto. E eu trancando a dor daquele dia especial de agosto.

Aeroporto, aquela fila, ele já estava um pouco atrasado, pegou a câmera dele, de filmar e repetiu “estou mutcho triste que la máquina fotográfica minha foi roubada, nossas fotos, suas fotos, lembranças de você, estou triste”. E fez a ultima filmagem de nós dois, sorrindo no aeroporto, brincando um com a cara do outro. Só restaram algumas cenas. E foi rápido, me deu um beijo, nada muito romântico. A comissária de bordo apressava. No entanto, ele me acenou lá do corredor, que vai para o avião, e mandou aquele beijo, que eu já sabia ser o último… Mas não o último beijo de amor. Depois, não me contive, e chorei no carro, e o choro foi pior que qualquer outra dor por alguma relação que eu já tive. O choro por algo que poderia ter dado certo, mas o destino nos abandonou naquela dia especial de agosto, e eu, fiquei com uma pequena esperança que o amor pode existir outras vezes.

Vídeo gravado no Pará e no Maranhão, feito por Charpentier.

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Melhor ir dormir

Por Anna Carla Ribeiro

Ah, a sexta-feira. O dia em que nós, seguidores do tribalhismo e procedentes do malandro equilibrista brindamos a origem da vida, divulgamos o novo corte de cabelo e, de queda, gargalhamos pelas cifras perdidas entre grades e latas de cerveja quente. Ultimamente tenho acordado deslumbrada nas sextas-feiras. É o dia em que eu bato no peito e brindo à minha liberdade e às piadas dos meus amigos. Afinal de contas, perdi muitos “dias sagrados” da minha vida encolhida em um sofá de meio metro comendo pizza de caixa.

Para a minha sorte, as circunstâncias me tiraram deste sofrimento e nunca mais me fizeram ficar sem graça ao ouvir os comentários sobre a noite anterior – sempre a melhor de todo o espaço sideral – em sábados de almoços com as amigas. Já parou pra perceber que justamente na época em que finalmente você consegue virar um ser caseiro (leia-se na coleira), todas as suas amigas estão desbravando o mundo, conquistando nações e se divertindo trinta vezes ao cubo por segundo? É o Murphy, meu bem. Mas depois eu falo nele.

Sextas-feiras são assim. Sempre cercadas das melhores maquilagens, roupas, olhares, lugares pra sair. É o dia em que finalmente conseguimos mandar dar cu o chefe, o cheque e aquela vizinha clone do Franquito Lopes, que sempre consegue te tirar do sério no infinito caminho da porta da sua casa até o carro. É aquela sensação maravilhosa de se estar aproveitando tudo ao máximo, é sentir a jovialidade em cada sopro de brisa. É o meu dia. E do Zeca, do Zé e do seu Oswaldo trabalhar, coitado. Deve ser foda ser garçom.

Tudo é alegoria. Alegria, alegria. Com direito a mentiras sinceras e Chiquinho gritando “Eu vivo bem sem amar a ninguém”. E viva o ôba-ôba! Sandálias eletrizantes, hormônios à flor da pele e tímpanos poluídos.

Maravilha.

Hoje é sexta-feira. Atípico dos últimos meses. As coisas mudaram, eu mudei. Fui do céu ao inferno em milésimos de segundos e agora pareço estar nos dois lugares ao mesmo tempo. Na esquina da fossa com a mocidade. Cansada e sozinha em casa. Pensei em ligar pra alguma amiga me fazer companhia. Seria uma distração. Penso, penso, penso. Desisto da idéia egoísta de estragar a sexta-feira de algum ser amável e solidário. Já basta a minha. Tento ler e acabo assistindo Homem Pássaro comendo palmito. E assim, como que de relance, me aparecem as Spice Girls sussurrando ao pé do meu ouvido: “Easy lovers, I need a friend…”.

De repente, me deu uma saudade de me retorcer novamente naquela cama de anão. Leve vontade de ter alguém disposto a dividir um saco de pão de queijo de supermercado e conversar sobre astros, geografia, ginástica e a guerra da Bósnia. Me lembrei de como é legal ter um colo e uma companhia para dividir os sonhos, alguns perdidos, outros realizados.

O ruim da boemia é a superficialidade. É estranho ter enjoado tão cedo dela. Claro que amanhã mudarei de idéia. Ah, melhor eu ir dormir.

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Amor ao amor

Por Lora Cirino

Ainda lembro como era, lembro mais ou menos, mas lembro. A gente se olhava bem forte e dava vontade de sorrir, tocar era a melhor coisa do mundo, segurar na mão. Andar de mãos dadas me trazia força e segurança. As festas tinham mais graça, elas terminavam em amor. A gente se divertia junto até tudo acabar e voltava para casa. Se eu acordasse de repente assustada, tinha certeza de te ter ali. Aqueles telefonemas, só para saber como cada um estava, eram gostosos demais, como já disse, eram certeza.

Hoje ouvi de uma amiga que ela está apaixonada e sendo correspondida, como me deu alegria por ela, que já não mais sabia o que era isso e saudade de ter isso também. Logo eu, que nunca soube viver sem você. Realmente era tudo mais cafona, só que mais gostoso. Tenho medo de ter desaprendido a te ter, medo de verdade, já confidenciei isso para algumas pessoas. As dores que passamos juntos, as brigas, as reconciliações. Que saudade do teu cheirinho, do teu gosto e de fazer amor contigo.

Morro de medo confesso, medo de nunca mais te sentir. Acreditas que eu já fiz força pra te sentir e não consegui? Obriguei-me a te ver em algumas pessoas, mas não era verdade, logo descobri. Caramba! Será que para sempre vai ser assim? Sem ti, sem aquela graça que a vida só tem contigo? Será que a parte mais delicinha da vida agora vai ser sempre monótona, chata, sem graça? Cadê o encanto de passear, de se bastar?
Volta pra mim, meu bem, eu morro de saudades de ti. De ter as palavras certas, de achar lindo teus defeitos, de conhecer cada poro, cada sinalzinho no braço, de dormir nos teus braços e sentir o cheiro da tua respiração. Eu quero me confundir contigo, com a tua família, invadir a tua casa, dividir a tua mãe. Sempre adorei sogras, não é agora que isso vai mudar.

E tu sabes que eu sou bacana, tu já me conheces e me experimentastes mil vezes. Eu não atrapalho teus estudos, entendo teu trabalho, teus horários, sou fina quando tenho que ser, sei me portar, me vestir e quando tem que cair na vala e beber até de manhã, eu também faço isso contigo.

Eu faço amor na rua, no estádio de futebol, em cima da árvore e dentro do mar, basta que queiras e me chame, já estou lá. Sabes que eu amo te ter, que eu amo te amar, amor.
Então, volta pra mim o mais breve possível, tu não vais te arrepender. E me ama, com a mesma intensidade, compreensão e tolerância que eu vou te amar.
Sei que sofrer de amor dói, adoece, sei bem, mas pior é não ter nem pelo que sofrer. É oco!

Carta ao amor, sobre o medo de nunca mais amar.

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Vidas paralelas


Por Antonio Carlos Monteiro

Nos idos de outros tempos, tive que assistir a um filme, para fazer um trabalho de uma matéria que não suportava… Fala de inconsciente… Assuntos tratados pelo velho Freud… E fiz por fazer, como alguém que cumpre uma obrigação e só…
Hoje relembrei desse dia, do tanto que praguejei da raiva que senti em ter que locar aquele filme disparatado… Pareciam um monte de malucos que dormiam e acordavam numa história histérica e sem sentido, avançando e retroagindo cada vez fazendo menos sentido…
Buscando uma analogia com o que vivo hoje, começo a observar que vivo em duas vidas paralelas… Não que eu esteja ficando louco, apenas alguns pensamentos e momentos preponderam sobre outros…
É como se a minha vida normal fosse cortada, em vários momentos, por outra até então desconhecida, mas que viajo tentando decifrar cada espaço ainda escuro…
E assim tem funcionado meus dias, me pego várias vezes com a cabeça longe, esqueço algumas coisas que fiz, outras faço de maneira automática sem pensar ou por instinto…
Alguns pensamentos fixos, um em especial… E esse me remete ainda mais a uma história apenas explicável se eu de fato considerar a existência de um mundo paralelo…
Refiro-me a saudade de alguém a quem apenas tenho acesso ao sorriso e umas poucas dúzias de palavras… Como pode?
Por isso hoje defendo essa vida paralela, acredito nela, tenho certeza que nos meus constantes momentos de branco viajo pra lá… Talvez lá possa conversar e rir exaustivamente de tudo que se passa, possa ser inteiro sem ser censurado, amar e ser amado a mesma e fiel medida…
Talvez lá e por enquanto apenas lá encontre o descanso, a paixão, a tormenta, a tempestade, o temporal, o sol, dunas, mar, sal, rio, doce, amor… Tantas coisas ambíguas, que se completam e se significam… Da mesma forma que faço com minha vida paralela até o momento de ser una.

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Costumo ouvir de “tias” mais experientes (leia-se mais velhas) – sendo essas casadas, separadas, amigadas ou viúvas – que vou acabar no caritó. Nem sabia o que era isso, mas pela força do hábito repetia que estava lá, no tal do caritó. Até o dia em que surgiu o questionamento.

Oh, céus! Será caritó uma comunidade longínqua no sertão árido do Nordeste??? A tal palavra nem estava no dicionário e isso sinalizava que a coisa estava feia pro meu lado. Até que das profundezas do mar sem fim, tive a brilhante idéia (eureca!) de fazer o que sempre faço: jogar no google, meu bem.

Eis que me deparo com este deleite. Um texto datado de 1959, da extinta revista Cruzeiro – publicação a qual eu só ouvi falar – da escritora Rachel de Queiroz. O bacana mesmo de encontrar pérolas como essa é que a gente pode perceber que algumas coisas no mundo não mudam.

Em pleno século XXI, minhas tias continuam achando que estou no caritó porque tenho 25 anos e não casei ou sofrem com a incompreensão de pensar numa “menina tão inteligente e bem educada” que ainda não conseguiu “laçar um bom partido”.

Bem, Rachel, concordo com você. A gente hoje põe o pó na cara não só para ir à janela a procura (ou à espera) de um bom partido. A gente enche a cara de maquiagem porque fica mais bonita ou pelo menos pensa que fica. E porque além desse detalhe que inflama a alma das mulheres com o pecado capital preferido do capitalismo, a vaidade, nossa make up tem vitamina e filtro solar. Tá, meu bem?

Resumindo: ainda vale a máxima de que as meninas boas vão para o céu. E as más, as que têm gingado nas cadeiras e malícia na cabeça, vão para onde quiserem.
Aí vai o texto para quem quiser saber o que a modernosa Rachel de Queiroz tem a dizer sobre o caritó!


“E tira o pó, Vitalina,
Bota o pó, Vitalina,
Môça velha não sai mais do caritó”
(cantiga popular)

Vitalinas

Da Bahia para o Sul, pouca gente saberá o que é vitalina e o que é caritó. Caritó é a pequena prateleira no alto da parede, ou nicho nas casas de taipa, onde as mulheres escondem fora do alcance das crianças, o carretel de linha, o pente, o pedaço de fumo, o cachimbo. Vitalina, conforme a popularizou a cantiga, é a solteirona, a môça-velha que se enfeita – bota pó e tira pó – mas não encontra marido. E assim, a vitalina que ficou no caritó é como quem diz que ficou na prateleira, sem uso, esquecida, guardada intacta.
As cidades grandes já hoje quase desconhecem essa relíquia da civilização cristã, que é a solteirona, a donzela profissional. Porque, se hoje como sempre, continuam a exisitir as mulheres que não casam, elas agora vão para tôda a parte, menos para o caritó. Para as repartições e os escritórios e os balcões de loja, para as bancas de professôra, e até mesmo, Deus que me perdoe, para êsses amôres melancólicos e irregulares com um homem que tem outros compromissos, e que não lhes pode dar senão algumas poucas horas, de espaço a espaço, e assim mesmo fugitivas e escondidas.
De qualquer forma, elas já não se sentem nem são consideradas um refugo, uma excrescência, aquelas a quem ninguém quis e que não têm um lugar seu em parte nenhuma.
Pela província, contudo, é diferente. Na próvíncia os preconceitos ainda são poderosos, ainda mantêm presa a mulher que não tem homem de seu (o “homem de uso”, como se chama às vezes ao marido…) e assim, na província a instituição da titia ainda funciona com bastante esplendor. E o curioso é que raramente são as môças feias, as imprestáveis, as geniosas, que ficam no caritó. Às vezes elas são bonitas e prendadas, e até mesmo arranjadas, com alguma renda ou propriedade, e contudo o alusivo marido não apareceu. Talvez porque elas se revelaram menos agressivas, ou mais ineptas, ou menos ajudadas da família na caçada matrimonial?
* * *
Não sei o que dirá disso a moral tradicional, mas creio que, felizmente, a existência da vitalina, mesmo na província, já anda perto do fim. A instituição da “môça livre” ou da “mulher de carreira”, segundo os modelos da América e da Europa, já tão bem copiada no Rio e em São Paulo, é uma tentação muito grande. Qual a môça que tendo possibilidade de viver do seu emprêgo, no seu próprio apartamento, onde, se lhe falta o aconchego do marido, restam sempre os consolos da liberdade, qual a môça que escolherá viver de favor em casa do irmão, sob a tirania da cunhada?
Será um mal a substituir outro, dirão. Pois bem nenhum sairá dessa nova liberdade. A isso não respondo, que não sei: o que posso dizer é que será, de qualquer jeito, um mal muito menos melancólico.

racheldequeiroz


Para ler na íntegra, acesse: http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/19091959/190959_7.htm

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Fogo e ar

Por Aimeé

Porque tu és fogo e eu sou ar. E dizem por aí que ar faz o fogo aumentar, faz o fogo correr mais longe. É verdade que o ar expande o fogo.

Não podes me prender porque nem sequer podes me ver, mas me sentes com a pele e suplicas por mim cada vez que abres tuas janelas, tuas portas, tua camisa e tua alma para mundo. Perguntas por mim em cada um desses momentos, mesmo sabendo que não adianta clamar por mim. Chego quando quero. Não dependo da tua vontade, nem da tua intensidade de me querer. Posso ser mais intensa à noite, posso causar rebuliços, derrubar tuas coisas, quebrar os vidros que te cercam e mesmo tão esperada, certamente incomodarei. Desmarcarei a página do teu livro como uma súplica para te pedir atenção.

Tu és o fogo. Aquele que arde, queima, incendeia e o faz porque assim é da tua natureza. Vais queimando e corroendo todas as minhas esperanças perdidas. Renovas meu sorriso, minhas manhãs, meu paladar e minha cabeça com teu calor. Causas-me um fogo interno, que faz com que minha face fique rubra. Trazes-me essas cores vivas, essa sensação de vida, de força, de coragem, de vontade em seguir em frente porque tua chama hipnotiza a quem quer que seja. Deve ser por isso que cresci ouvindo para não brincar contigo assim, à toa.

Talvez seja por isso que foste o primeiro entre tantos – e digo tantos, tantos, porque me queres assim, complicada, ácida e quase cruel quando te digo que foram muitos e muitos tantos outros antes de ti – que me pediu calma. Vagarosamente, me pediste que eu diminuísse meu ritmo, meu querer intenso. Viste que eu só sabia ser assim e me levaste pro teu fogo de ser dominador.

Então, por mais que não consigas me aprisionar, sei que precisas dessa minha força. Eu permito a partir de hoje e para todo e sempre seja lá até onde esse sempre vai dar ou o que signifique, que minha força te conduza a todos os caminhos porque te quero agora como meu próprio caminho. Selamos então um pacto: tu serás o meu fogo e eu serei o teu ar.

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Olá gente!

Bem, como as reclamações por melhorias na organização do blog foram muitas, estamos tentando mudar de acordo com o nosso conhecimento medíocre em configurações de blog.
Mas como vocês podem notar, aqui do lado direito —-> tem os textos organizados por cada autor, e o nosso arquivo por mês. Quem quiser, pode visitar os nossos textos antigos numa boa.
Além disso, tem nossos vídeos prediletos no Vodpod (atualizamos semanalmente com novos), ultimos posts, os comentários da galera, os textos mais lidos, nossos blogs e sites prediletos e o meebo (que você pode conversar on line com a gente).
Estamos em busca de pessoas que entendam de templates, para dar uma nova cara ao blog, quem quiser ajudar, “tamo dentro”!
E lembrando, o blog Ohvarios é um lugar que começou reunindo textos de 5 amigas, de Belém, sendo que atualmente uma mora em Macapá e outra em Manaus, e por isso mesmo foi criado para matar a saudade de cada uma das amigas Guerreiras. E hoje é aberto para convidados, que tem sido um espaço democrático e até mesmo “terapeutico” para alguns. Obrigada Lucas, Vivi, Antonio, Gonzalez, Maira, Raoni e John, vocês sempre são bem vindos!

Abraaaços!

Das ohvarias!

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Por Moara Brasil

A Patrícia chega assim “causando” em qualquer lugar…Tem a mania terrível de achar que quem olhar pra ela “tá afim”. Vive mostrando para os que ela julga seus “amigos”, mensagens dos seus machos, ou que fulano de tal ligou, e que o mauricinho “tá na área” . Ninguém se mete com a Patrícia! Aliás, ela só fala nisso. Não tem outro assunto. Não tem outro papo. Sabe aquelas meninas que a gente até tenta algo, mas cansamos rápido só de pensar? E pior que ela é tão bonitinha, rostinho legal, se veste até bem e é cheirosinha. E eu, João mané, sou o seu consolo.

Mas é difícil, eu confesso, só esse óculos Dolce Gabana não me encanta. Essa empolgação dela de dizer que gosta de Nirvana, realmente não me convence. E a coleção de calcinhas da Victoria Secret´s, nem são tão sexys assim nela. Sabe aquelas “menininhas” que tomaram danoninho na boca? Que nos quinze anos, além de um “puta” quinzola, também viajaram para a Disney? E isso não foi nenhum sacrifício do bolso dos pais dela…

Ela tem aquele carrinho da moda, e é a sua grande estratégia para levar qualquer garoto como eu para os momentos vazios da vida da Patricia. A pequena é filha de familia nobre da cidade. Os seus pais sempre estão nas colunas sociais dos jornais.

Ela sempre tem algum homem na sua rotina, tem todo mundo e não tem ninguém. É solteira, e assim permanece. Mas ela é a pior das solteiras: aquela que realmente não sabe o que é ser sozinha de verdade. Um dia desses, a Patricia veio me falar que a sua mãe estava preocupada por ela está tanto tempo sem arrumar namorado. E eu, João mané, querendo a loirinha, mesmo assim. Mas ela nem tchum pra mim.

Não demora muito, e lá vem ela. Com o perfume Chanel º5, que atrai a macharada. Tão linda, tão pequena e sorridente. Sorrir para todos numa elegância atrapalhada. Os homens até gostam, mas se afastam rápido. Eu gosto dela, até curto essa fineza toda, eu realmente gosto dela. Mas quando ela vem falar que está triste, que o mundo não a entende. Dá vontade de sair dando soco na cara bonitinha da Patricia!

Ela é jogadora, e daquelas jogadoras para ganhar e depois pisar. Pisa Paty.!Pisa!
Eu falo que ela é jogadora, mas a baixinha não entende. Eu sou um mero integrante do jogo da vida dela. Ela acha que os homens são os grandes culpados da sua dor de cabeça crônica. Descobri que a Paty tem uma identidade pertubada, daquela que tem múltiplas identidades, e não conhece nenhuma.

Uma hora Patrícia é roqueira, e coloca pulseiras pretas com aquele vestidinho vermelho legal. Outra hora ela resolve virar garota do reggae, e mete aqueles montes de fios no braço e uma rasteira. Depois vira minimalista, e não gosta de nada. Só de frequentar os melhores restaurantes da cidade. Outra hora, ela se esquece dela e coloca qualquer blusa do armário, a mais velha, e vai passear por aí…

Toda vez sempre a mesma história: “porque o Paulinho fez isso”, “porque o Julio é um leso”, “não vou pegar o Ricardinho porque não quero”. E eu, João mané, sempre ouvindo, mesmo que contra a minha própria vontade, as mesmas histórias de que todos os homens são da Paty. E eu também sou dela, zé mané.

E os caras até que são bonitos, mas ela fala sempre que eles não servem. Ela é jogadora, isso sim. Talvez eu seja o único que perceba.

Se tem um rapaz sarado na área, chegou na festa, ela é a primeira a se encostar, nem que seja só para conquistar o menino e joga-lo fora depois de segundos. E se ele não quiser ela, é porque ELA que não quis mais. Ô menina que não sabe perder, é jogadora! Ou melhor, talvez seja porque a Patricia sempre teve tudo de mão beijada, assim: carro,comida e roupa lavada.

Ela coloca um scarpim para dizer que Pode (e com P maiúsculo ), mas perde o salto vergonhosamente depois de altas doses de Absolut. Faz até xixi na bolsa da Vitton. E fala mal de fulano, e diz que não curte a sicrana, mas ela não sabe nada sobre eles. E sempre diz que não é para ninguém olhar para os homens dela, porque todos os homens são da Paty. E suas “amigas” fazem cara feia. E eu, sempre leso, ouvindo as histórias vazias dela. Na verdade, as histórias são mais dos outros do que da própria Paty, conheço pouco essa garota.

E essa menina tem um gosto estranho por filmes e histórias de serial killers, fez eu assistir aquele Jogos Mortais 2, um dia desses… E o sonho dela é ser delegada. Até estranhei quando a louca me disse isso. Mas agora ela inventou que quer viajar pelo mundo afora, e eu, não estou mais afim de viajar nesse mundo da Paty, “vai embora e some com teus homens daqui, e se um dia voltares, espero que seja com histórias menos vazias que esse texto.”

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Por Antonio Monteiro

Depois de tanto tempo vendo aqueles filmes água com açúcar, escutando músicas românticas, poesias soltas em tantos lugares, cheguei hoje a alguns pensamentos, talvez ingênuos, longe da realidade dos outros.
O primeiro deles é que não estamos tão longe da realidade dos filmes. Nossas vidas são como que caprichosamente controladas por um diretor ou escritor, nós meros coadjuvantes ou mesmo figurantes a espera de um roteiro surpreendente e uma trilha sonora não menos ilógica.
Achamos que temos perfeito domínio de tudo. E eis que de fundo ouvimos a chegada da trilha sonora. Algo que por instantes foi imperceptível, mas em uma tradução rápida a canção dizia: “Ela pode ser o rosto que não consigo esquecer… Um traço de prazer ou arrependimento… Pode ser o tesouro ou o preço que tenho que pagar…”
E realmente via na minha frente um sorriso e um olhar que jamais passariam despercebidos onde quer que seja. Ao andar apenas deixava um rastro dos cabelos ficando pra trás e um brilho natural que rodeava tudo em volta.
Engraçado como realmente isso acontece. Algumas pessoas têm um brilho interno, um imã que te puxa pra perto delas e que vai muito além da beleza que todo mundo vê. E fascina de imediato. Seduz de uma maneira a deixar confuso, um dilema, amarro-me aos mastros, tapo meus ouvidos, e escapo do canto da sereia!? Ou apenas admiro mais e mais e quem sabe me aproximo mais!?
E aí talvez esteja o pensamento mais importante do dia. Por que não me aproximar!?
Por isso hoje decidi ser clichê, ao menos hoje.
Quero encarar como num filme: “-Surreal mais encantador!”
Sem complicar muito, apenas deliciando-me com o canto, sorrindo com a lembrança do brilho nos seus olhos, sofrendo com a insegurança, esperando atentamente o minuto em que a parte da música tocará de novo e ela chegará.
Como é bom ser ingênuo, sonhar docemente e sem grandes pretensões, comer um saquinho de pipoca ao assistir o filme em que um cara normal conhece a melhor coisa que podia acontecer na faculdade…
E aí acabei dormindo, assisti apenas ao inicio, mas já foi suficiente… Dormi feliz, porque sonhei que eu estava lá, disposto a fazer mais que o necessário para fazer o melhor filme… Seja qual for o roteiro!

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Terça-feira

“…só vamos embora, quando tudo terminar.” (Mombojó)

Por Lora Cirino

É assim que a gente é. Eu tenho medo quando ligas pra casa e conquistas minha mãe, ela nunca te viu, não confia em ti, mas te adora, porque tu a desconcertas, assim como a mim.
É divertido te ter, porque tu és muito homem com cabeça de muito menino, eu esqueço minhas responsabilidades e me torno irresponsável, de manhã te admiro, fumando teu beck na janela e me levando pra casa com cara de praia. É terça-feira, dez da manhã. Tudo que eu não quero da vida pra mim, penso.

Uma delícia conviver com teu jeito de que não sabe de nada do que está falando e precisa de um estágio, só pra dizer pro pai que está sendo útil. E eu com meu trabalho carregado, com meu sustento e as dificuldades lá de casa. Como eu te quero, esqueço, viajo e entro no escuro daquele quarto só nosso.

Na noite seguinte esquecemos de tudo, quando me ligas umas 19 horas: ”to indo te buscar gata, que trabalho o que, para de frescura, vamos ficar juntos”. E sabe o que é melhor? Tu sempre percebes se eu corto uma pontinha do meu cabelo, ou mudo de cor e fala a verdade, mesmo a tua verdade sendo sempre achar lindo.

E por aí nós vamos, nas terças-feiras deliciosas com cara de sábado, com cheiro de suor e com a camisa pavorosa do teu time, que tu me obrigas a abraçar e me domina vestido com ela, como tu não presta e adora fazer isso… Eu também!

O melhor de tudo é que eu torço por ti e tu por mim, nós sabemos que isso é uma fase e que logo nos distanciaremos, até porque nunca quisemos ser nada além do que uma linda lembrança um pro outro.
E assim fazes eu “me queimar”, me dominando no fim da festa, quando não é terça-feira e me levando pro prédio azul, como desde o primeiro dia, eu, tu e o prédio azul.

Mostarda com misto quente ou qualquer coisa que vejas pela frente fazes virar maravilha.
Ao mesmo tempo em que és moleque, é o homem que tem prazer em me dar banho, colocar pra dormir e faz questão de me acordar pra comer e fazer dormir, e não me comer, só de manhã.
Nossas manhãs recheadas de fugas rápidas, risadas, inocência e sandálias quebradas. Tu olhas, elas quebram e eu me arrasto. Safado. Neném.

“Saí, toca a campainha de novo e volta pra almoçar, meu bem”.

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Amor de armário

Por J.R. Gonzalez

Fazia frio e aquelas portas de madeira prensada não deixavam o clima dentro do armário aconchegante. Ainda mais por se tratar de uma cozinha, onde tudo é azulejado e frio. E cá pra nós, aquelas dobradiças já deveriam ter sido trocadas há um bom tempo, a porta mal fechava. Isso só agravava em muito o que os produtos guardados sentiam naquelas longas noites de outono, que estavam mais para as noites de inverno.

Tudo começou após uma ida ao supermercado. Compras do mês. Ele sabia muito bem como era aquilo. De repente, a prateleira que estava quase vazia, privativa para aqueles produtos que não foram consumidos, se enchia de novidades. E ele sempre sobrava. Para falar a verdade, ele não sabia nem porque havia sido comprado. Ninguém naquela casa gostava de cereal de aveia e disso, tinha certeza.

Biscoitos diversos, fermento em pó, alguns produtos de compota, torradas, adoçante líquido, palitos. O Nescau ficava na prateleira abaixo. Em meio àquele redemoinho de novos colegas, algo em especial havia lhe chamado a atenção: aquela pequenina caixinha vermelha de uvas passas. Como era graciosa aquela rapariga da embalagem! Cabelos morenos curtos, pele alva, bem vestida. Muito nova, ele pensou, e provavelmente deveria ser de consumo rápido. Se ficassem uma semana juntos naquela prateleira, seria muito.

Em poucos minutos, todos os produtos foram guardados em seus devidos lugares para serem esquecidos ali até a hora que alguém sentisse fome ou a empregada resolvesse fazer um bolo.

Naquela mesma noite, algo inusitado ou nem tanto, sucedeu. Uma barata das grandes entrou junto com o frio pela porta mal fechada. A rapariga, como toda rapariga, assustou-se. Ao perceber o nervosismo da donzela, ele, velho de armário, se pôs a acalmá-la:

– Acalme-se. Isso acontece de vez em quando. Não tem com o que se preocupar. Você esta bem fechada?
– Estou… Quer dizer, acho que estou – respondeu aflita.
– Estou certo de que deve estar. Produtos recém-chegados raramente vêm abertos – disse, tentando abrandar o nervosismo da moça.
– Mas… Mas… Ela está em cima de mim…
– Isso é porque você provavelmente deve ser docinha. Deve ter ficado junto de alguma amiga aberta no supermercado e pegou o cheiro. Acontece. Não há com que se preocupar; logo ela vai embora.

Eles ficaram juntos durante toda a noite. Uma hora a barata se foi, mas eles continuaram um com o outro até adormecer.

No dia seguinte, acordaram bem cedo, devido á claridade que entrava pela abertura da porta.

– É claro aqui – disse a moça com voz de quem acaba de acordar.
– Claridade pela manhã e frieza à noite! Esta porta já devia ter sido trocada há muito tempo, mas aqui eles não dão muita atenção a esses detalhes.
Depois de algum tempo, ela continuou:
– Obrigada por ontem á noite. Você foi… muito gentil.
– Que isso! Não fiz mais do que obrigação. Eu sei como são essas coisas. Já estive numa prateleira de supermercado uma vez, mas isso faz muito tempo. Sei como é difícil esse período de adaptação. Estamos acostumados a vida inteira a ver e interagir com produtos que são milimetricamente idênticos a nós. Mas aí, de repente, alguém nos tira de nossa prateleira, nos joga num carrinho. Daí pra frente é esteira, leitura ótica no nosso código de barra (constrangedor!), saco plástico, mala do carro sacudindo e, sem mais nem menos, caímos aqui, nesta prateleira fria, repleta de produtos que nunca imaginamos existir…
– Repletas de baratas também!
– Elas não costumam vir muito aqui – disse, sorrindo – mas, de qualquer forma, uma hora nos acostumamos com elas.
– Tudo é tão traumático. Se não fosse você ontem á noite, eu não sei como teria agüentado. E eu não sei nem o seu nome.
– Pode me chamar de Quaker. E você? Como se chama?
– Bem, quando fui retirada de minha prateleira, falaram “Há quanto tempo não via essas passas!”. Acho que meu nome é Passas.
– Não, “passas” é o que você é. Do mesmo jeito que eu sou um cereal de aveia. O que tem escrito na sua embalagem? –A forma como Quaker falava era culta e explicativa, como se fosse portador de grandes conhecimentos. E como isso encantava a insegura rapariga.
– Deixe-me ver… Sunrise Raisains Sécs, não sei se é assim que se pronuncia.
– Um nome em Francês! Encantador!

Quaker e Sunrise continuaram conversando por muito tempo. Falavam sobre tudo: experiências pessoais, memórias do supermercado, a vida naquela prateleira. Quaker contava para ela os hábitos da família e juntos ficavam imaginando o que haveria nas outras prateleiras.

Uma hora, já de noitinha, o esperado aconteceu. Eles estavam juntos, da mesma forma como tinha sido guardados. Pela porta mal fechada, avistavam a janela da cozinha e, através dela, um magnífico céu estrelado. O frio também contribuía para uma atmosfera bem romântica.
– Posso te perguntar uma coisa? – titubeou Sunrise, com sua voz graciosa.
– Claro.
– Você acredita em reciclagem?
– Não sei. Não costumo pensar muito nessas coisas.
– Me acha boba? – perguntou, insegura.
– De modo algum. Acho que o bobo devo ser eu, por ser tão objetivo e divagar pouco sobre a vida. Você acredita?
– Acredito, sim. Eu acho que não pode tudo acabar assim, simplesmente indo pro lixo. Imagino que deve ter algo mais, algo além de tudo isso que conhecemos.
– É capaz. Não costumo pensar muito sobre isso… – Do mesmo jeito que ela se encantava com toda sabedoria de Quaker, ele era fisgado pelo ar misterioso que ela exalava em suas palavras.
– Sabe, ontem à noite, você me chamou de docinha… – disse em tom apaixonado.
– Chamei? Desculpe a indeli…
– Não precisa se desculpar. (pequena pausa) – Eu gostei.

E daí em diante, eles se amaram como um casal em lua de mel. Ficaram se amando, olhando para as estrelas e, enquanto todos os produtos daquele armário sentiam um frio danado, eles reclamavam do calor. Ela pouco se importava com a idade avançada dele, até gostava dos seus cabelos brancos. E ele nunca havia imaginado que conseguiria moça tão bela em toda a sua vida.

O tempo foi passando e os dois consolidavam a relação, mesmo aparentemente sem ter muito em comum, descobriram juntos que ambos eram ricos em fibras. Mas não era só isso que os unia. Os gostos musicais e artísticos também. Apesar de que o sonho da vida de Sunrise era se tornar uma latinha de sopa Campbell de Andy Warhol, o maior motivador das brigas do casal:
– Você acha que eu não percebo como você olha para a Gina dos palitos??? – ela revelou um dia, em tom irritado.
– Como? Ah, pelo amor de Deus! Deixe de ser ciumenta dessa maneira! Você enxerga situações que não existem!
– Não existem?!? Quaker, eu te conheço. É só passar uma loirinha que você se assanha todo.
– E você? Já reparou como aqueles “monges” do chocolate em pó te comem com os olhos? De monges não tem é nada. São uns safados, isso sim!
– Ei, fale baixo. Não queremos criar um clima ruim na prateleira.

Mas essas discussões eram passageiras e, na verdade, só adicionavam aquele ciúme normal, que apimenta e estimula os relacionamentos. E por falar em apimentado…
– E aí, garotão? Não tem caloria pra noite toda não? – disse com um sorrisinho na boca.
– Vou te mostrar quantas gramas tem aqui nessa embalagem!
– Levadinho!

A idade avançada de Quaker não atrapalhava em nada a vida sexual do casal. Ele era uma máquina, e ela, insaciável.

De vez em quando, alguém abria o armário e pegava um biscoito ou o adoçante. E foi numa dessas vezes que passou pela primeira vez na cabeça de Quaker o que ele sempre soube: aquele amor, a vida a dois, não iria durar pra sempre. Ele sempre soube, desde a primeira vez que viu Sunrise, que uma hora ela seria consumida e ele ficaria ali, esquecido no armário, como sempre. Isso já havia ocorrido diversas vezes. Nenhum dos produto adquiridos juntamente com ele, ainda estava ali, sem que ninguém o notasse.

Como seria difícil suportar a solidão no armário sem ela! E depois que ela se fosse, também iriam todos os que conviveram com eles naquele armário. Chegariam novos produtos, que não fariam a menor idéia de quem Sunrise e do que o amor deles tinha representado. Chegaria o dia em que só ele saberia que esse amor tinha existido, e – quem sabe – ele não tivesse existido só na sua cabeça, já que ninguém mais partilharia com ele essas memórias. Ficaria velho e perturbado.

Chegará o dia – porque um dia todos os dias chegarão, até este – em que consertarão a dobradiça da porta ou quem sabe comprarão armários novos? E ele se lembrará dela, do frio que sentiam, das estrelas que viam através da janela. E sentirá um aperto forte no fundo do peito, uma vontade apenas de contar pra ela essa novidade. Chorará por horas, dias sem fim. Chegará até mesmo – veja só que besteira – a desejar nunca tê-la conhecido, para não ficar condenado a uma vida posterior de saudades e sofrimentos. Mas, no fundo, sabia que só conhecera o que é a vida naquele dias de compras, quando avistou pela primeira vez aquela menina ainda sem nome. Aquela menina apavorada com a barata em cima dela.

Só de imaginar isso tudo Quaker emudecia.
-O que houve, amor? Por que você está com essa cara?
-Nada não, querida, Pensando… Será que existe aquela história de reciclagem? Será que no passado a gente não fomos um produto só?
– Ás vezes, eu penso nisso. Quem sabe, no futuro, nós não nos tornaremos os dois uma só embalagem, guardando o mesmo produto?

Pensar no futuro era fatal para Quaker. Todos os fantasmas da separação voltavam à sua cabeça e, ao seu rosto, voltava aquela expressão que tanto incomodava Sunrise.

Quando ela ia perguntar novamente sobre o que ele estava pensando dentro daquele chapéu, foi interrompida. A porta se abriu e a empregada enfiou o rosto na frente da prateleira. A primeira a ir embora foi Sunrise, quando ainda estava pensando no que afligia o companheiro. Depois, foi a vez do pote de açúcar – mas este sabia que iria retornar. E, por fim, nosso querido Quaker, que também faria parte da receita!

É! Por essa ele não esperava. Nunca imaginou que chegaria o dia em que seria consumido e sem que fosse preciso se separar de Sunrise. Seriam consumidos juntos, tendo o seu amor eternizado.

Ingredientes:
200g de flocos de aveia.
200 ml de água.
Uma casca de laranja ou de limão.
Duas maçãs descascadas e picadas.
Uma colher de chá de açúcar.
Uma colher de chá de erva-doce.
50g de passas de uvas.

Modo de preparo:
1. Cozinhe os flocos de aveia em água fervendo com uma casca de limão.
2. Junte as maçãs picadas, as passas de uva e a erva-doce.
3. Misture, adicione açúcar e introduza numa forma untada.
4. Asse em forno moderado durante 20 minutos.

Esta é a história do amor entre Quaker e Sunrise, que tiveram o seu conteúdo unido numa deliciosa receita de bolo de aveia com passas. Suas embalagens foram jogadas juntas na lata de lixo. Se foram reciclados ou não, ninguém sabe. E, mesmo se alguém soubesse, não viria ao caso estragar os mistérios da vida.

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